Entenda por que o Flamengo deve mais do que o divulgado



Flamenguistas questionam por que O GLOBO divulgou um endividamento de R$ 450 milhões, enquanto outros analistas citados pela imprensa falam em R$ 330 milhões.


É um bom momento para mostrar como funciona esse cálculo. Trataremos do Flamengo, mas vale para todos.

O cálculo para descobrir o endividamento é feito a partir do ativo e do passivo, ambos extraídos do balanço.

Pegue a calculadora, some valores demarcados em vermelho do passivo, subtraia o "caixa e equivalentes" do ativo. Esta é a dívida total. Este método é usado por Cesar Grafietti, economista e superintendente de crédito do Itaú BBA, em sua rotina de avaliação financeira de companhias do mercado e também em seu estudo sobre o futebol.


Este método é usado por Cesar Grafietti, economista e superintendente de crédito do Itaú BBA - Reprodução


Os passivos do Flamengo - Reprodução
O endividamento divulgado por outros analistas tem a mesma base, ativo e passivo extraídos do balanço financeiro, mas usa um método diferente. Pegue de novo a calculadora, considere todo o passivo e subtraia dele tudo o que está no ativo circulante e não circulante. Esta é a "dívida líquida", segundo esses analistas.


Dados do ativo do Flamengo - Reprodução


Total do passivo do Flamengo de 2017 e 2016 - Reprodução
Por que não usamos e não recomendamos que a análise financeira se baseie nesta "dívida líquida"? Não há garantia de que os valores contidos no ativo existirão de fato. Ou, mesmo que existam, não há previsão confiável do momento em que eles estarão disponíveis para pagar as dívidas.

"Depósitos judiciais" são valores travados em ações na Justiça. Dá para usar esse dinheiro? Não. Dá para contar que ele será desbloqueado em tal data? Não. É irresponsável contar que esse dinheiro estará disponível para pagar dívidas, então é prudente nem considerá-lo no cálculo.

Aí vai um exemplo: o Atlético-MG teve bloqueados pela Justiça cerca de R$ 60 milhões, oriundos da venda de Bernard em 2013. Esse dinheiro ficou travado por quatro anos. Ou seja: o Atlético-MG tinha dívidas a pagar e não pôde contar com esse depósito judicial por todo esse tempo. E mesmo quando houver acordo para destravar essa verba, ela foi carimbada. O clube foi obrigado a usá-la integralmente para adiantar parcelas do Profut.

"Contas a receber" e "contas a receber na transferência de jogadores" são valores que o clube tem a receber de terceiros – patrocinadores, outros times, televisão. Existe garantia que esse dinheiro estará disponível para pagar dívidas? Não. É prudente não considerá-lo no cálculo.

"Ah, mas é claro que a televisão pagará". Sim, a possibilidade de um calote por parte da Globo é remota. Dá para dizer o mesmo de patrocinadores e outros clubes? De jeito nenhum. Tem patrocinador que promete a grana, quebra e desaparece sem pagar. Aquele valor no ativo vira pó.

Aí vai um exemplo carioca: a Guaraviton firmou nos últimos anos enormes patrocínios a Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Os valores prometidos por ela foram registrados no ativo como “contas a receber”. Mas nunca foram recebidos. A empresa quebrou, entre outras razões porque gastou mais dinheiro do que podia com publicidade no futebol. Os clubes cobraram, fizeram acordos e acabaram com valores ínfimos diante dos inseridos no ativo.

No passivo, você pode perguntar: por que O GLOBO e Cesar Grafietti não incluem "adiantamentos recebidos"? Não é uma dívida com efeito caixa. Por exemplo: aí está a obrigação do clube de cumprir o contrato com a Globo. Como ele "paga" a dívida? Jogando bola, cumprindo o contrato que assinou. Não põe a mão no bolso.

Tenha em mente que o método precisa ser o mesmo para todos os clubes de futebol, não só para o Flamengo. O histórico recente rubro-negro é otimista em todos os sentidos nas finanças, mas adversários não estão na mesma situação. É preciso seguir a premissa do realismo na análise.

Por último e mais importante: esqueça listas e rankings de dívidas. São apenas fogos de artifício para ganhar clique. Aplicamos o método de Grafietti porque vemos nele mais credibilidade, realismo, parâmetro. Usamos a dívida como um indicador econômico para contar uma história.





Fonte: O Globo






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