Por Leonardo Miranda | GE: Dorival Júnior está de volta ao Flamengo. O treinador de 60 anos chega para
sua terceira passagem pelo clube num momento de turbulência e crise interna,
mas com um elenco de qualidade o suficiente para alcançar posições melhores na
tabela e mostrar um desempenho melhor do que com o português Paulo Sousa.
Os desafios são imensos, assim como possibilidades para montar a equipe. Algo
é certo: Dorival é um treinador com muito conhecimento teórico, uma imensa
experiência - que conta com campanhas de fuga do rebaixamento, títulos de
peso, sete estaduais - e algo que combina muito com o Flamengo: jamais deixou
de montar equipes que priorizam um jogo propositivo, que controla a partida
pela bola.
Em termos táticos, a carreira de Dorival se divide em três momentos:
- Num primeiro momento, times com mecanismos mais simples, geralmente um 4-2-2-2, como o São Caetano que quase foi campeão em 2007, ou o Cruzeiro de 2008.
- A partir do trabalho no Vasco em 2009, Dorival começou a usar o losango no meio-campo como base para onde ia, como Flamengo, Vasco, Fluminense e Palmeiras
- Uma virada em 2014, após a decepção no Palmeiras e a viagem até Munique, onde acompanhou treinamentos com Pep Guardiola
Toque de bola rápido e direto: os primeiros times de Dorival
A primeira fase tem como grande destaque o time do Santos, que jogou um
futebol impressionante durante seis meses em 2010. Era um 4-2-3-1 com Neymar,
Ganso e Wesley (ou Madson) atrás de André, um time que atacava muito por
dentro e tinha a velocidade como principal característica. Nada de posse
estática, de ficar tocando a bola. Aquele time era direto, rápido, vertical.
Três toques e todo mundo na cara do gol.
Depois de sair do Santos, Dorival comecou a usar o logango no meio - que já
havia sido campeão pelo Vasco. Foi assim que armou o Flamengo em sua primeira
passsagem. Também em momento turbulento, o treinador teve a ideia de
posicionar Léo Moura como volante pelo lado esquerdo. Assim, ele usaria o pé
trocado para conectar Ramon e Wellington, laterais que subiam bastante e
deixavam Ibson mais atrás, armando as jogadas.
Flamengo de 2012: Léo Moura foi usado como volante pela esquerda em campanha
de recuperação — Foto: Reprodução
Dorival não ficou pela nova política de salários de Bandeira, e emendou
trabalhos curtíssimos no Vasco e Fluminense. Em 2014, a chance de treinar o
time do coração e de seu tio, Dudu: o Palmeiras. Passagem marcada pela
inauguração do Allianz Parque, mas muitos problemas com Valdívia, lesões e um
clube totalmente desestruturado que quase caiu no último jogo. Ele não ficou
para a reestruturação em 2015, o que considera uma das grandes decepções da
carreira.
Os anos de 2013 e 2014 foram pontos de inflexão para Dorival. Sem títulos,
trabalhos curtos...faltava algo. Foi quando a famosíssima foto dele e Vagner
Mancini com Guardiola explodiu nas redes sociais, mas o período sabático na
Europa, no começo de 2015, mudou a mente do treinador e, em história contada
por ele mesmo, trouxe novos métodos de treinamento e ideias que resultaram em,
ao menos, um grande time.
O Dorival "guardiolista" no Santos de 2015 e 2016
Dorival voltou ao Santos com o time no Z-4, com duas vitórias em 12 jogos. No
primeiro ano, montou um 4-2-3-1 com Gabigol e Geuvânio nos lados, Lucas Lima
se movimentando da direita por dentro e Ricardo Oliveira imparável, como um
centroavante móvel que atacava profundidade o tempo todo. O time decolou e
eliminou "apenas" o São Paulo de Juan Carlos Osorio e o Corinthians de Tite na
Copa do Brasil. Perdeu para o Palmeiras, num jogo em que a bola de Nilson na
Vila Belmiro ainda é lamentada.
Mas foi em 2016 que Dorival atingiu um novo patamar na carreira. O Santos que
foi Campeão Paulista em cima do Audax de Fernando Diniz e vice-campeão
Brasileiro jogou muito. Mas assim, muito. Futebol vistoso, bonito de ver,
ainda que instável - a eliminação para o Internacional na Copa do Brasil é
difícil de entender.
Um time com ideias que, na época, eram completamente novas no Brasil. O Santos
fazia a chamada saída de três, que hoje é mamão com açúcar, ora com Renato,
ora com Thiago Maia pelos lados. Victor Ferraz se lançava como um meia, saída
da direita e muitas vezes vinha até o lado esquerdo, quando Lucas Lima ou
Vecchio buscavam a bola por ali.
Santos de 2016: ideias novas no futebol brasileiro, com a marca dos laterais
por dentro — Foto: Reprodução
Zeca fazia o mesmo na esquerda. Gabigol, Copete ou Joel abriam pelos lados,
enquanto Ricardo Oliveira atacava profundidade e empilava gols. Não fosse a
competitividade do Palmeiras de Cuca, um dos times que melhor jogou nos
últimos anos teria sido campeão por ideias que Dorival trouxe lá do convívio
com Guardiola. Era incomum ver tanta mobilidade e troca de posição,
principalmente com Zeca e Victor Ferraz, os primeiros "laterais interiores" do
Brasil na era do jogo moderno.
Laterais por dentro eram a marca do Santos de 2017 — Foto: Reprodução
Temos laterais por dentro para termos mais jogadores pelo meio. Você ganhava
amplitude pelas laterais e ao mesmo tempo prevalecia no meio-campo
ofensivamente com preenchimento maior do espaço em razão de ter os laterais
trabalhando nessa função. O que talvez tenha se configurado e determinado nova
condição é que isso foi muito bem trabalhando. Nosso treinamento desde o
aquecimento era voltado para que tivéssemos uma linha de quatro bem composta,
e quando chegava no campo de ataque com as saídas por trás, proporcionávamos
com movimentação dos laterais. — Dorival Júnior, em entrevista de 2016
Dorival saiu do Santos em 2017, após uma eliminação no Paulista. Salvou o São
Paulo do rebaixamento, mas não teve a reposição do elenco que queria em 2018.
Ficou poucos jogos no Flamengo, novamente parando no Palmeiras. No Athletico,
conduziu trabalho prejudicado pela pandemia, mas que ganhou título e mostrou
ideias que mereciam elencos melhores: Adriano e Márcio Azevedo, dois laterais
por dentro com um volante e uma linha de cinco atacantes projetados na área.
Um 2-3-5 ao melhor estilo Manchester City.
O 2-3-5 do Athletico com a bola: durou pouco — Foto: Reprodução
O treinador que chega ao Flamengo em 2022 é extremamente experiente e terá um
elenco no qual ele pode colocar essas ideias em prática. Filipe Luís, por
exemplo, é a cara de Dorival por jogar por dentro, mas não como fazia com
Paulo Sousa, mais atrás. Pode jogar como volante mesmo, junto com Thiago Maia
e até Andreas.
Impossível de ver algo diferente contra o Internacional, na estreia do
treinador. Mas a certeza de que Dorival é o nome certo para um Flamengo que
troca de treinador a todo momento e sabe que seu problema principal não é
exatamente quem comanda o campo, mas sim quem comanda o clube. Cenário que
precisa de um escudo, como Dorival já foi em 2012, 2018 - e será em 2022.
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Imagem: Rener Pinheiro/MowaPress