Por Diogo Dantas | Extra:
As cobranças ao técnico Paulo Sousa e ao departamento médico do Flamengo se
acentuam no momento em que a equipe tem, por mais um ano seguido, problemas
físicos que respingam no desempenho do time. O rodízio no elenco seguirá
diante do Altos-PI, às 19h30 desta quarta-feira, pela Copa do Brasil, mas a
alternância de comissões técnicas e a opção do clube em não reforçar processos
próprios são apontadas internamente como dificultadores de um melhor trabalho
de prevenção de lesões.
Desde outubro do ano passado, ficou pendente uma coletiva com o chefe do
Departamento de Saúde e Alto Rendimento (Desar), Márcio Tannure, que tem
atuado como bombeiro, diante da redução de sua autonomia. O profissional, que
completa 20 anos de Flamengo em 2022, é cerceado pela diretoria a dar
explicações públicas sobre as estratégias para o setor. Assim, Tannure assume
um papel de para raio desde que os dirigentes decidiram interferir na montagem
da estrutura profissional do departamento, cortar cargos e atender a anseios
dos atletas.
Na reunião do Conselho Deliberativo desta segunda-feira, o presidente Rodolfo
Landim chegou a prometer uma explanação sobre os problemas de lesão aos
conselheiros apenas.
Médico é elo único para processos perdidos
Nos últimos dois anos pós-Jesus, a direção formatou a preparação física e o
departamento médico com alguns profissionais ligados a dirigentes e jogadores,
e só com a chegada de Paulo Sousa cedeu a uma nova "reformulação". Na prática,
os conceitos relacionados à gestão do elenco em meio à nova maratona de jogos
ficam a cargo do técnico português. O novo Mister se aproximou de Tannure para
saber lidar com o que os treinadores desde Jorge Jesus sofreram em termos de
calendário no Brasil. A partir deste mês de maio, os atletas atingem o ápice
da forma física, mas há acúmulo de jogos e os problemas musculares se
avolumam. A gerência da carga se dá com rodízio na escolha dos jogadores e na
minutagem administrada de cada um. Além disso, o clube lança mão de recursos
tecnológicos (aparelhagem) e processos científicos, mas precisa de uma
comunicação boa dos funcionários e da comissão técnica.
Com tudo isso implementado por Paulo Sousa, há repetidos casos de lesões
musculares com o advento das três competições em disputa. Fora casos mais
graves, como dos zagueiros Rodrigo Caio, que não jogou em 2022, e agora de
Fabrício Bruno, que pode passar por cirurgia no ligamento do pé. É nessa
comunicação clara sobre as condições dos atletas que está a dificuldade do
Flamengo desde 2019, na avaliação dos que entram e saem com frequência do
futebol do clube. Quando Jorge Jesus chegou, "trancou" o CT com uma comissão
própria numerosa, que seguia os próprios preceitos, e incluiu Tannure, o
preparador físico Betinho e alguns outros funcionários nos seus processos
decisórios.
Ali houve o primeiro rompimento mais brusco de processos do próprio Flamengo.
Jesus ignorava rodízio e bancada suas escolhas baseado sobretudo no que dizia
o jogador. A comunicação entre o estafe fixo e a comissão técnica começou a se
reduzir, e o modelo que o Flamengo cultivou nos anos anteriores, de uma visão
compartilhada, se concentrou no treinador. Auxiliares permanentes e outros
profissionais foram afastados. Deu certo, pois houve conquistas. Mas desde
então as novas comissões técnicas não encontraram a receita ideal e um fio
para puxar além do doutor Tannure. Nos últimos anos, o gerente médico foi
responsável por montar a equipe do chamado Centro de Excelência em
Performance, que depois mudou de nome. Pegou profissionais desempregados ou na
base e os qualificou dentro da metodologia que o Flamengo desenvolvia. Tannure
alega internamente que a coisa mudou de 2020 para cá.
Comando terceirizado
A diretoria, em si, terceirizou o comando da gestão do futebol aos
treinadores. Em vez de ser guardiã dos processos, ter uma visão estratégia
para repor perdas de recursos humanos, e fortalecer a criação de um conceito
próprio. O papel dentro do organograma caberia ao diretor de futebol, Bruno
Spindel, e aos gerentes Fabinho e Juan. A cada novo recomeço, os jogadores
tendiam a sentir mais cada troca de comando e entender que o modelo de 2019
precisava ser retomado. O que dificulta o trabalho dos técnicos e tem
dificultado o de Paulo Sousa e do próprio departamento médico.
Quando a retomada foi tímida, os atletas mesmos indicaram funcionários de
preparação física, fisiologia, de fora e dentro do clube, e influenciaram nos
processos junto aos treinadores. Isso ocorreu em um cenário de menores
investimentos na comissão técnica, e Tannure seguiu sem força, até ameaçado de
demissão. Quando Jesus saiu, durante a pandemia, tanto Domènec Torrent quanto
Rogério Ceni e Renato Gaúcho sofreram com o legado confuso do futebol do clube
em relação ao departamento médico, que precisou se reinventar, sem legado.
Paulo Sousa chegou com a missão de reestruturar as ideias de jogo e também o
dia a dia. No começo de 2022, houve demissões no setor, e retomou-se o modelo
de uma comissão numerosa, que o trio de técnicos anteriores não teve.
Quando a chave virou
O rompimento dos processos se acentuou na mudança de gestão. Antes de 2019, o
Flamengo contratou empresas como a EXOS e a Double Pass para treinarem os
funcionários do futebol profissional e da base a formar um modelo uníssono.
Essa qualificação baseada em ciência e tecnologia partia de um conceito
totalmente corporativo, e o médico Márcio Tannure foi um aliado de peso. O
clube criou um método, havia debates sobre estrutura de jogo, prevenção de
lesões e também revelação de talentos. As empresas entenderam a cultura
brasileira e do clube, internalizaram processos, sem engessá-los, e permitiram
ao Flamengo criar a própria filosofia. Após fazer seu trabalho, deixaram o
clube. Sem continuidade, profissionais treinados fizeram o mesmo caminho em
direção a rivais no Brasil e equipes do exterior. A partir de 2019, a chave
virou. Com recursos financeiros em crescimento após vendas milionárias, o
Flamengo montou um time forte, deu liga com Jorge Jesus e ganhou quase tudo.
Mas tais processos já não eram os mesmos. A valorização de funcionários se
deteriorou, e até premiações passaram a ser pagas apenas a jogadores e às
comissões dos técnicos, não mais a funcionários do futebol.
RH sem estrutura de empresa favorece deterioração
O organograma do Flamengo ajuda a entender um pouco como a dificuldade em
valorizar funcionários e processos respinga em todo esse cenário.
Recentemente, o clube viu o auxiliar permanente Maurício Souza aceitar
proposta do Athletico-PR. No fim de semana, o técnico do sub-20 Fábio Mathias
foi para o Red Bull Bragantino. Segundo informações, o Flamengo não tem uma
política de cargos e salários nem no futebol nem em outras áreas. Isso se deve
à estrutura tímida do departamento de recursos humanos. Gerente do RH, Roberta
Tannure foi alçada ao posto após trabalhos como advogada trabalhista no
próprio clube. Não há um diretor do setor, e a gerência é subordinada ao
diretor corporativo Billy Alves. A explicação para essa hierarquia tão
vertical é concentrar as decisões no diretor financeiro, Fernando Neto, no CEO
Reinaldo Belotti e também no presidente Rodolfo Landim, que tem menos
obstáculos para nomear profissionais com um maior alinhamento à gestão.
No futebol, a estrutura também tem poucos profissionais. O vice Marcos Braz e
o diretor Bruno Spindel são negociadores. Não há um diretor técnico, apenas
Juan e Fabinho, ex-jogadores, como gerentes com atuação limitada. A
concentração de poder inibe que o Flamengo desenvolva ainda mais a veia
profissional que pautou sua administração financeira. Com receita acima de R$
1 bilhão, não é por falta de dinheiro. A preocupação do departamento passou a
ser o bem estar dos atletas campeões. Vários renovaram, tiveram aumentos, e as
lideranças passaram a ter mais força junto à direção, sobretudo Diego Ribas.
O clube ensaiou uma hegemonia que nunca se confirmou, pois não se preocupou
com a transição de modelos e nem em deixar um legado com identidade própria.
Ano após ano, troca técnicos e contrata e vende jogadores, enquanto a comissão
permanente não é qualificada na mesma proporção. Sem força, Tannure não
conseguiu reestruturar o departamento médico com nomes que gostaria, e se alia
a Paulo Sousa na nova reformulação. Apesar de gerente, restou-lhe só a figura
do médico, que precisou lidar com interesses de todos os lados. A reportagem
entrou em contato com o Flamengo e aguarda um posicionamento.
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Imagem: Divulgação