Por Carlos Eduardo Mansur | O Globo: Ao assumir um time com um histórico de conquistas, um treinador pode
escolher dois caminhos. Entre adaptar suas ideias às tarefas que são
familiares aos atletas ou adaptar os atletas ao modelo de jogo que usualmente
aplica, Paulo Sousa recusou atalhos: flerta mais fortemente com a segunda
opção, com as suas convicções. Não há acerto ou erro, há uma escolha, um
método. É possível enxergar insensatez ou reconhecer que há treinadores mais
confortáveis com um sistema. O fato é que times de futebol vivem o permanente
desafio da adaptação, da mudança. Afinal. tornam-se conhecidos, marcados por
rivais. O Flamengo de 2019 não serve mais como parâmetro de funcionamento para
o time atual.
Numa fase do calendário cheia de jogos de exigência baixa, a Supercopa foi um
fértil campo de provas. Mostrou um Flamengo que evoluiu, embora tenha deixado
questões sobre as quais a comissão técnica irá debruçar.
Uma delas é o papel de Everton Ribeiro. É bom deixar claro que a função de ala
esquerdo no momento ofensivo do jogo não o obriga a cobrir uma porção de campo
maior do que fazia quando era um meia que partia do lado direito. Se o time
perde a bola, ele não é um ala que corre o campo todo para recuar até a linha
defensiva, defende como um meia no 4-4-2 que Paulo Sousa monta sem a bola. Ou
seja, a questão não parece física.
Flamengo atacando e defendendo Foto: Editoria de arte
Ocorre que, em Cuiabá, seu posicionamento mais aberto pareceu tirar dele
influência no jogo. E quando conduz a bola para o centro, sente dificuldade
por ser um canhoto. Ainda assim, não é impossível que Paulo Sousa encontre
dinâmicas para deixar Everton Ribeiro mais à vontade, criar apoios,
combinações, ou até fazer Bruno Henrique alternar com ele na ocupação do lado
do campo. Lázaro entrou bem ali, mas é jovem. E o Flamengo não tem um nome
óbvio para ocupar a posição.
Outro ponto de alerta é defensivo. O Flamengo já vinha tendo dificuldades na
recomposição pelo lado direito. Em Cuiabá, sofreu de formas distintas. A
pressão ofensiva não pretendia o desarme imediato, buscava ocupar espaços e
bloquear opções de passes. Mas nem sempre funcionou. Além disso, Arrascaeta
era um dos responsáveis por vigiar Godín ou Allan na saída de bola atleticana.
Como nem sempre havia uma compensação, sobravam Arana e Keno contra Rodinei.
No lance do primeiro gol atleticano, era Bruno Henrique quem ajudava Rodinei,
mas foi atraído por Jair até o meio-campo e Arana ganhou liberdade.
Mas há virtudes claras no trabalho. O Flamengo joga em ritmo alto, consegue
mover a bola rapidamente, criou mais oportunidades do que um fortíssimo
Atlético-MG mesmo sem ter uma posse de bola maior. Gabigol já se mostrou
adaptado às duas funções que executou: como um 9 ou como um dos homens por
trás do centroavante, quando Pedro atuou. Outro que não sentiu a mudança de
posicionamento foi Arrascaeta. Ele é um dos homens por trás do camisa 9,
movendo-se entre o centro e os lados do campo com desenvoltura num Flamengo
consegue encontrar aproximações para trocar passes. Sem contar a natural
adaptação de Filipe Luis ao trabalho de terceiro homem defensivo na saída de
bola.
Paulo Sousa ainda parece buscar a dupla de volantes ideal, quer jogadores
capazes de encostar no ataque. A boa notícia da Supercopa foi confirmar a
impressão de que João Gomes pode ser um destes volantes.
O fato é que, mesmo sem a taça, o Flamengo teve domínio de parte importante de
um duelo contra a equipe mais vencedora do país no ano passado. Ou seja, há
algo acontecendo. Ao fazer seguidas reuniões com Paulo Sousa, conforme
divulgou, a diretoria rubro-negra teve todas as chances de conhecer ideias e
método de trabalho. Provavelmente, ele continuará fazendo observações e
rotações nas escalações. Precisa ter paz para seguir seu caminho.
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Imagem: Marcelo Cortes
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