Por Marcel Rizzo | Uol: O procedimento escolhido pela diretoria do Flamengo para a escolha do substituto de Jorge Jesus pode parecer estranho aos costumes do Brasil e soar como mais uma novela arrastada, mas deveria ser regra. Entrevistar, analisar currículos e apresentar o projeto a candidatos é comum no meio empresarial, mas incomum no futebol brasileiro que quando precisa contratar um técnico insiste no "mais fácil".
Por isso que no Brasil o rodízio dos mesmos profissionais pelos grandes e médios clubes do país virou até piada em países vizinhos, como na Argentina. Uma elite de treinadores se formou, boa parte competente e com sucesso por algum tempo, mas que bloqueou a possibilidade de novidades aparecerem justamente porque passaram a viver da fama enquanto se acomodavam no "nome" já consolidado.
Fazer o que a direção do Flamengo está fazendo dá trabalho e custa dinheiro. E não necessariamente deveria ser feito apenas se o alvo escolhido for um estrangeiro — que, por sinal, costuma usar o país como trampolim. A cúpula do clube carioca definiu um perfil, entendeu que quer um treinador de fora do Brasil, encantada com o que Jorge Jesus fez. Mas caso a definição fosse para um nome brasileiro, por que não usar da mesma estratégia?
Quem acompanha as ligas de esporte norte-americanas sabe que essa é a regra por lá, não a exceção. Facilita, claro, que as franquias têm donos que na maioria dos casos tratam o clube como uma empresa. Há executivos remunerados, não conselheiros fanáticos, que prezam pelos bons modos empresariais. E o básico disso é você procurar profissionais não só com base no QI (quem indicou), mas entrevistando, buscando referências sérias, pedindo projeto e analisando currículo.
Quando há troca de treinador na NFL, a liga de futebol americano, o executivo responsável pelo time entrevista candidatos, em encontros oficiais (burocracia necessária porque em muitos casos o profissional pretendido está empregado em outra associação e é preciso a liberação desta para o contato).
Por lá há até um regra que obriga o clube a conversar com um candidato negro quando uma vaga de treinador principal é aberta. Ela foi criada em 2003 e é chamada de Regra Rooney em homenagem a Dan Rooney, o proprietário do Pittsburgh Steelers que pressionou para que ela existisse. A premissa é simples: como um esporte que tem negros como seus principais atletas dá tão pouca oportunidade a esses quando se transformam em treinadores?
Não vem, entretanto, funcionando muito bem e hoje apenas três dos 32 técnicos principais na NFL são negros. No início de 2019 houve um movimento de algumas pessoas na liga para tentar fortalecer essa regra, algo turbinado agora com o movimento contra o racismo apoiado por atletas.
É inimaginável pensar que isso possa ocorrer no Brasil, por exemplo, outro país que tem poucos técnicos negros no comando de times da elite. Mas poderia começar a funcionar melhor se ao menos os clubes passassem a buscar profissionais de forma mais profissional, não apenas por osmose.
A prática no Brasil, por anos, foi a de demitir o treinador X e buscar o Y que já havia sido seu treinador anos atrás ou conquistado títulos também um tempo antes. Arriscar no novato ocorria principalmente se ele já estivesse em seu plantel, como um auxiliar que ficava como interino por algum tempo, ganhava alguns jogos e acabava promovido.
Não havia uma estratégia e também havia um problema nisso, como uma vez um dirigente de grande clube me disse: um auxiliar promovido tem que ganhar logo porque senão a diretoria não aguenta a pressão para demitir — a paciência com veteranos é maior.
Bom exemplo é Fábio Carille, interino que assumiu definitivamente o Corinthians em 2017. No dia 1º de março, o time quase foi eliminado pelo Brusque na Copa do Brasil. Só passou nos pênaltis, sofrido. Na época, o blog soube que caso o time tivesse sido eliminado ali a chance de Carille cair era grande. No fim ele ficou e foi campeão paulista e brasileiro.
Não é possível nem cravar que entrevistar vários candidatos será o modus operandi padrão do Flamengo a partir de agora. Pode ter sido um lampejo depois do ótimo trabalho de Jesus e desencantamento com nomes brasileiros. Mas que se torne regra e outros clubes sigam, mesmo para o mercado interno. Há opções além do mais do mesmo.
Fonte: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/marcel-rizzo/2020/07/27/entrevistas-e-curriculo-processo-do-flamengo-por-tecnico-deveria-ser-regra.htm
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