Histórias Incríveis: Fla e Bota juntos? Clubes já formaram time que fascinou até Púskas



Estádio da Ilha, briga entre torcidas, Willian Arão, troca de farpas entre dirigentes, provocações em redes sociais e até em aeroporto… É com o clima quente dentro e fora dos gramados que Flamengo e Botafogo se enfrentam neste domingo, às 11h (de Brasília), no Raulino de Oliveira, em Volta Redonda (RJ), pela terceira vez na temporada. Nos últimos anos, a rivalidade extrapolou o limite das quatro linhas. A relação entre os clubes vive um dos piores momentos nos mais de 100 anos de história, mas nem sempre foi assim…

Rubro-negros e alvinegros hoje conseguem imaginar seus clubes de mãos dadas? Já aconteceu por exemplo há 60 anos. Na época, Flamengo e Botafogo se uniram, bateram de frente com a Fifa e fizeram um jogo para a história. Em 7 de fevereiro de 1957, um combinado goleou o Budapest Honvéd, da Hungria, por 6 a 2 no Maracanã. Uma verdadeira seleção brasileira, com nomes como Bauer, Nilton Santos, Dida, Didi, Garrincha e Evaristo, “vingou” a Copa do Mundo de 1954 e pôs fim à era mais gloriosa do futebol húngaro. É preciso, no entanto, entender o contexto.

QUEM É O HONVÉD?
O Budapest Honvéd é o atual campeão húngaro, mas viveu seus dias de maiores glórias na década de 50. Base da seleção que conquistou em 1952 o ouro olímpico em Helsinque e encantou o mundo na Copa de 1954, o time de Púskas, Kocsis & Cia. foi considerado um dos maiores da Europa neste período, ao lado do Real Madrid.

O QUE TEM A VER COM A INVASÃO SOVIÉTICA?
Convidado pelo Flamengo para amistosos no Brasil, o Honvéd desembarcou no Rio de Janeiro cercado por incertezas. Em outubro de 1956, uma revolta popular tentou derrubar o regime comunista na Hungria. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) não aprovou, ocupou Budapeste em novembro e prendeu (e enforcou) Imre Nagy, líder liberal da revolta. Os soviéticos exigiram o retorno imediato do time à Hungria. Um dos símbolos de sucesso do regime comunista, a “Máquina Magiar” excursionava pela Europa. Seus principais jogadores, em tese, eram do exército soviético. Kocsis, Púskas e Bozsik eram majores, embora apenas jogassem futebol. Na Suíça, jogadores e dirigentes se recusaram a voltar. No fim, acabou sendo um grande pretexto para os craques húngaros enfim deixarem o país e aceitarem as propostas milionárias que recebiam constantemente do futebol espanhol.

FLAMENGO BANIDO E BRASIL FORA DA COPA?
Com contrato assinado com o Flamengo, o time húngaro manteve seu compromisso de amistosos no Brasil. Na Hungria, os soviéticos reagiram mal à atitude e, segundo relatos, fizeram ameaças até aos familiares dos atletas. Pressionaram também a Federação Húngara e a Fifa. A entidade avisou que, se as partidas acontecessem, o Rubro-Negro seria banido do futebol, e a seleção brasileira estaria fora da Copa de 1958. O Flamengo, no entanto, não embarcou nas ameaças e levou o contrato adiante. Foi além, e convidou outros clubes. Apenas o Botafogo aceitou. Após pressão popular, especialmente dos brasileiros que estavam loucos para ver de perto as lendas húngaras, a Fifa reconsiderou, e o Honvéd realizou cinco jogos no Brasil, contra Rubro-Negro e Alvinegro, sem maiores desdobramentos. O último deles, contra o combinado entre os dois.

COMO FOI A UNIÃO FLA-BOTA?
Os clubes eram extremamente unidos nessa época? Não exatamente, mas sabiam dialogar. Sete anos antes, por exemplo, Flamengo e Botafogo se envolveram em uma situação semelhante ao caso William Arão, estopim para a atual crise entre os clubes. Em 1950, o Rubro-Negro tirou Joel de General Severiano. O então presidente alvinegro, Carlito Rocha, ameaçou romper relações com o rival. Para apaziguar, o Rubro-Negro aceitou pagar Cr$100 mil. Curiosamente, Joel iniciou como titular da ponta-direita da Seleção na campanha do título da Copa do Mundo de 1958, mas perdeu a vaga para Garrincha no terceiro jogo.

QUAL FOI A ESCALAÇÃO DO COMBINADO?
No mesmo dia do amistoso contra os húngaros, uma seleção carioca enfrentou um combinado mineiro. O Flamengo, por exemplo, cedeu Zagallo para o duelo regional, o que acabou abrindo espaço para Garrincha jogar como ponta-esquerda na partida internacional. O time que entrou em campo foi uma verdadeira seleção brasileira: Amaury, Bob (Tomires), Pavão, Nilton Santos, Bauer, Pampolini, Paulinho, Didi, Evaristo, Dida (Moacir) e Garrincha (Canete). Com Moacir, que entrou no fim, foram cinco jogadores em campo que viriam a ser campeões mundiais no ano seguinte, na Suécia. Já o Honvéd jogou com: Faragô, Lautos, Sanjay, Dudas, Baszick, Lotazs, Sanfor, Kocsis (Vorodick), Budai (Szusza), Púskas e Czibor.

COM QUAL UNIFORME JOGARAM?
O combinado poderia ter usado as camisas de Flamengo e Botafogo, uma em cada tempo? Preferiram outra solução e utilizaram um uniforme que misturava as cores dos dois clubes: blusas vermelhas, com gola e shorts brancos.

COMO FOI O JOGO?
O Honvéd teve a primeira chance do jogo, mas Czibor perdeu oportunidade clara. O combinado Fla-Bota respondeu com Dida, que parou em uma das grandes defesas de Faragô na partida. Mas ele nada pôde fazer contra Garrincha, que abriu o placar aos 21 minutos. Logo após, chegou a faltar luz no Maracanã, mas o apagão durou pouco. Os húngaros empataram aos 36 com Kocsis, mas dois minutos depois Dida recolocou os brasileiros na frente. Antes de terminar o primeiro tempo, Didi ainda perdeu um pênalti. Na etapa final, Evaristo driblou o goleiro e ampliou aos 2 minutos. Aos 12, Dida anotou o quarto de cabeça. Os estrangeiros diminuíram com Púskas convertendo um pênalti de Amaury em Budai, aos 30. Mas também de pênalti, o time “rubro-alvinegro” fez mais um, com Dida. E Evaristo, aos 44, fechou o marcador em 6 a 2. O amistoso foi apitado por Mario Viana e teve renda de Cr$ 1.288.600,20. O público não foi divulgado.

COMO FORAM AS MANCHETES DOS JORNAIS?
O “Jornal dos Sports” manchetou como “Um grande triunfo para a história do football nacional”. O “Jornal do Brasil” estampou: “Sensacional vitória do combinado Flamengo-Botafogo”. E o “O Globo” seguiu a mesma linha: “Espetacular vitória do combinado Botafogo-Flamengo”. O periódico ainda descreveu: “Para a despedida de uma temporada tão cheia de complicações, o espetáculo de ontem no Maracanã valeu a pena de ser assistido. Foi, sem dúvida, uma noite de gala para o futebol brasileiro. O combinado Botafogo-Flamengo, para a surpresa geral, atuou como um conjunto perfeito”.

QUEM FOI O DESTAQUE DO BOTAFOGO?
Em 1957, Garrincha ainda não era uma lenda, mas já infernizava as defesas adversárias. E com os húngaros não foi diferente. Foi uma das raras situações em que Mané jogou na ponta-esquerda. Atuar deslocado, no entanto, não ofuscou o futebol do craque. E olha que Garrincha entrou em campo com 39 graus de febre, segundo sua biografia, de autoria de Rui Castro. Ele bagunçou os zagueiros e abriu a porteira húngara.

QUEM FOI O DESTAQUE DO FLAMENGO?
Autor de dois gols, Evaristo foi eleito o melhor em campo. Recebeu nota 9 de “O Globo”. Foi um de seus últimos jogos pelo Flamengo antes de se transferir para o Barcelona. Anos depois viria a ser companheiro de Púskas no Real Madrid. Até hoje, ele ainda se recorda:

“Lembro bem. O Honvéd estava fugindo da Hungria. Eles vieram, fizemos alguns jogos, e o último foi um combinado entre Flamengo e Botafogo. Parte da arrecadação, inclusive, foi para ajudar o Honvéd. Foi um jogo muito bom. Os dois times jogaram para frente, sem muita preocupação defensiva. Foi maravilhoso. Lembro que acabou a luz no início do jogo, estava um calor danado. Um apagão. Mas depois voltou e correu tudo bem. O combinado não teve tempo para treinar, fomos direto para o jogo, mas tinha vários bons jogadores. Ficou fácil o entendimento. Logo depois fui para o Barcelona. Anos mais tarde reencontrei o Púskas no Real Madrid”.

COMO REAGIRAM OS HÚNGAROS?
Apesar da goleada, Púskas mostrou para a torcida brasileira o grande jogador que foi. Marcou gol nos cinco jogos no Brasil. No último, apesar da derrota húngara por 6 a 2, deixou mais dois. No fim da partida, reconheceu a superioridade de Didi, Dida, Evaristo, Garrincha & Cia: “Já tinha os melhores conceitos sobre os brasileiros, mas agora pude ver melhor. O combinado mereceu a vitória”, disse o atacante, que retornou à Europa para assinar com o Real Madrid.

QUAL FOI A IMPORTÂNCIA DAQUELE JOGO?
É claro que não há comparação, mas a goleada sobre Púskas & Cia. teve um gostinho de revanche para torcedores e jogadores. Especialmente para Bauer, Didi e Nilton Santos, derrotados em 1954 pelos húngaros na Copa do Mundo. Na ocasião, brasileiros e húngaros se envolveram em uma grande pancadaria após o apito final. A Hungria venceu o jogo por 4 a 2 e eliminou o Brasil nas quartas de final do torneio realizado na Suíça. Fonte: Globo Esporte





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