Botafogo jogou todas as partidas na Arena da Ilha sem laudos!



Foram 13 partidas do Botafogo na Ilha do Governador em 2016 — duas pela Copa do Brasil e 11 pelo Campeonato Brasileiro. Juntas, elas atraíram perto de 117 mil pessoas, quase 9 mil em média, após o clube elevar para 15 mil torcedores a capacidade do estádio da Portuguesa. No entanto, a obra de ampliação não tinha alvará da prefeitura, segundo a Secretaria Urbanismo, Infraestrutura e Habitação do município do Rio de Janeiro.


O Luso Brasileiro mudou de inquilino na virada do ano, quando o Botafogo voltou ao Nilton Santos (também chamado "Engenhão") e o Flamengo alugou o local, dando início a uma nova e mais detalhada reforma. O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro fez seguidas exigências a cada inspeção, e a obtenção das autorizações foi bem mais complexa. Com isso, o estádio ainda não recebeu jogos em 2017.

Só na noite desta terça-feira, 30 de maio, o clube conseguiu a última autorização pendente. Com isso, os flamenguistas seguem sem estrear o local, que comportará 20.500 torcedores. O jogo com o Atlético Goianiense, pela Copa do Brasil, por exemplo, foi parar no Maracanã após veto. Já o de domingo, diante justamente do Botafogo, com a demora na liberação do último laudo, será em Volta Redonda (às 11 horas) por questão de horas na emissão do documento pelos bombeiros do Estado.

Definições de alvará no dicionário Michaelis: sujeito à fiscalização

Quando o Botafogo mandou instalar mais arquibancadas na Ilha, o prefeito era Eduardo Paes. Neste ano, Marcelo Crivella ocupa o Palácio da Cidade. No ano passado, o Corpo de Bombeiros chegou a liberar o estádio para 12 mil torcedores. Como a CBF exigia a capacidade mínima de 15 mil pessoas para jogos do Campeonato Brasileiro, os alvinegros tiveram que levar a partida diante do Vitória para Volta Redonda. Só adiante houve a autorização para um público maior e a primeira peleja foi Botafogo 3 x 3 Flamengo.

Ao blog, o Corpo de Bombeiros (CBMERJ) justificou a demora na aprovação do estádio para o Flamengo via e-mail, enviado em 31 de maio às 18h16:

"O tempo de tramitação dos projetos de segurança contra incêndio e pânico pode variar por inúmeros motivos. No caso específico, a obra foi executada em desacordo com o projeto apresentado e aprovado pelo CBMERJ. Por conta disso, a autorização definitiva só foi emitida após as correções necessárias".

Os bombeiros acrescentaram que "para a atividade em questão (estádio de futebol), além da documentação regular exigida pela corporação, é necessária a emissão de um documento específico para atender o Estatuto do Torcedor", cuja regularização se dá em quatro etapas:

"1) Apresentação do projeto de segurança contra incêndio e pânico pelo responsável da edificação ao CBMERJ. Nele, deve constar a previsão de público e dispositivos de segurança. Sendo o projeto aprovado, é emitido um Laudo de Exigências (LE) pela corporação;

2) Após vistoria e constatação do cumprimento das exigências consignadas no LE, é emitido um Certificado de Aprovação (CA);

3) Como se trata de edificação destinada à reunião de público, é necessária a emissão de um Certificado de Registro (CR), documento anual obrigatório para este tipo de atividade;

4) Para atender, exclusivamente, a exigência Estatuto do Torcedor, é emitido o Laudo de Prevenção e Combate a Incêndio e Pânico (LPCI)".

Sobre a estrutura montada em 2016, a corporação registrou que são projetos distintos, cujas exigências foram atendidas em tempos diferentes.

"Não cabe comparação, uma vez que o cumprimento das exigências depende da execução por parte de cada clube. A quantidade e disposição dos dispositivos fixos e móveis de segurança contra incêndio e pânico obedecem a especificações como dimensão da área, lotação, entre outros quesitos", alegou o CBMERJ.

Apesar disso, a obra do Botafogo gerou polêmica após o uso do local. A Portuguesa reclamou das condições de instalação de equipamentos, por ela consideradas ruins, segundo publicou o site Globo Esporte — clique aqui para ler e veja as fotos que ilustram a matéria do dia 8 de dezembro de 2016. A respeito desse registro, os bombeiros responderam que "se trata do período em que o Botafogo estava desmontando a estrutura que era utilizada pelo clube no estádio da Portuguesa".

Ao Corpo de Bombeiros cabem as questões relacionadas à segurança contra incêndio e pânico. Por isso, sobre a não localização do alvará, o blog questionou a Secretaria municipal, e a resposta foi:

"O Flamengo entrou com pedido de licença de obras no dia 26 de abril de 2017". E mais. "Não há registros de processos abertos pelo Botafogo." Questionada se não seria obrigatório o clube abrir tal processo para realizar a obra do estádio da Ilha do Governador em 2016, a resposta foi: "Sim, seria (...) a responsabilidade da Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação é o licenciamento para a realização de obras, apenas. O alvará de funcionamento da atividade é dado pela Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Secretaria de Fazenda".

Procurada, a Secretaria de Fazenda respondeu:

"Por favor, entre em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Infraestrutura Urbanismo e Habitação". Esta retornou em 16 de maio:

"Não temos registro de licença de obra solicitada pelo Botafogo para intervenções na Arena da Ilha. O Botafogo deveria ter apresentado o seu projeto para avaliação da antiga Secretaria Municipal de Urbanismo. Diante disso, o órgão da gestão passada poderia ter identificado a questão através de uma fiscalização. Para a intervenção atual do local, de responsabilidade do Flamengo, o processo está correndo normalmente, conforme as regras, com processo aberto e sendo acompanhado pelos técnicos da Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação. O pedido de licença foi realizado no dia 26 de abril deste ano".

A assessoria acrescentou "Estamos passando para você o que nos cabe na gestão atual. Como a questão da irregularidade surgiu na gestão passada, e não gera riscos para o processo de hoje, vamos nos limitar a falar sobre as responsabilidades da atual gestão".

Perguntado se a realização de tais mudanças no estádio da Ilha sem alvará caracteriza irregularidade, o presidente do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro), Reynaldo Barros, respondeu que sim. Para a Prefeitura.

"Quem ordena o solo urbano é a prefeitura. Então, as licenças para uma obra regular são dadas pela prefeitura. Isso é obrigatório. Qualquer obra dessas deve seguir regras dos bombeiros, ambientais, etc. E atender requisitos da legislação profissional, com empresa registrada no Crea, com anotação da responsabilidade técnica", explica.

No site da prefeitura do Rio de Janeiro, o pedido de alvará feito pelo Flamengo em 2017

Tal item não faz parte da documentação fiscalizada pelo Conselho Regional de Engenharia, autarquia com a finalidade de verificar o correto exercício profissional. Para um estádio ser liberado e receber eventos é necessária licença do Corpo de Bombeiros. Este sim, fiscaliza se toda a documentação dos outros órgãos está em dia.

O Crea acrescenta que caberia à fiscalização da prefeitura verificar se havia alvará. Por isso obras têm placas com postura municipal e a Lei 5.194 (regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo) e existem resoluções que obrigam a identificação do engenheiro responsável, etc.

"Com a placa, a fiscalização do Crea pode verificar se a obra é regular ou não. Mas quem deve fiscalizar se tem a licença é a prefeitura", reforça Reynaldo Barros.

O presidente do Crea explica que cada órgão tem suas exigências a serem cumpridas, com projeto executivo, responsável técnico etc. O Conselho chegou a verificar a canalização de um córrego na área do estádio, se havia algum problema de segurança. Normalmente, concluída a obra é dada baixa na execução e o Crea voltar para fiscalizar. A anotação de responsabilidade técnica é solicitada pelos bombeiros, que verificam se está tudo compatível com as questões dos códigos de pânico e incêndio, podendo procurar o Conselho de Engenharia.

A irregularidade, a inexistência do documento que autoriza a obra, equivale a sair pela cidade dirigindo um caminhão sem carteira de habilitação.

"É uma infração grave não ter o alvará e não ter considerado no projeto a interferência do córrego, são equívocos de uma condução do trabalho e a responsabilidade é da instituição, do contratante. Quem contrata mal gasta duas vezes", diz Barros.

Indicado pela assessoria de imprensa do Botafogo a tratar do assunto, o vice-presidente administrativo, Anderson Simões, foi procurado várias vezes pelo blog. Em 11 de maio, às 19h38, via WhattsApp. No dia seguinte o dirigente atendeu ao telefonema e disse que estava ocupado, pediu para que ligasse em 40 minutos. Não foi possível o contato naquele horário. Novos telefonemas não foram atendidos.

Em 15 de maio, às 21h37 e às 21h41, a ele foram enviados e-mails a dois endereços eletrônicos passados por sua assessoria. E outro no dia 19, às 17h07. Em 20 de maio, nova mensagem por WhattsApp, sem retorno, o mesmo acontecendo em 25 de maio às 17h56, também sem qualquer resposta. Mais um e-mail foi endereçado ao vice botafoguense às 18h02. Até a publicação deste texto, Anderson Simões não respondeu às perguntas.

Ante a falta de retorno por parte de seu vice, o presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira, foi procurado pelo blog em 30 e 31 de maio, via telefonemas, mensagens de texto e por e-mail. A pergunta: segundo a Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação do Município do Rio de Janeiro, em 2016 as obras feitas para ampliar a capacidade do estádio Luso Brasileiro não tinham alvará da prefeitura. A Secretaria não encontrou registros da mesma. Qual a posição do Botafogo a respeito?

Por SMS, às 21h54 do último dia do mês, ele respondeu:

"O Botafogo tirou todas as licenças e laudos necessários para plena utilização da Arena Botafogo em 2016. Não tenho como falar sobre os registros da Prefeitura".

O blog entrou em contato telefônico com a Mills, responsável pela montagem das arquibancadas em 2016. Por e-mail, questionou se a empresa sabia que não havia alvará; a quem caberia solicitar tal documento, se a ela ou o Botafogo; por que a Mills tocou a obra sem o alvará, se isso não seria irregular; se a Mills sabia da existência de um córrego no local e por que a Mills fez a montagem da arquibancada sem as intervenções realizadas em 2017 (clique aqui e leia) devido ao córrego. E se elas seriam indicadas na ocasião.

A resposta veio por intermédio da gerência de marketing, e sequer cita a palavra "alvará":

"Conforme falamos, ressalto que a Mills não é construtora, fomos contratados pelo Botafogo, em 2016, somente para a execução da montagem de uma arquibancada provisória. Para a execução do nosso serviço, que contemplou somente o projeto e a montagem desta arquibancada, providenciamos toda a documentação técnica e autorizações necessárias, o que incluiu a ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) do nosso projeto e montagem".

No dia 31 de maio, às 20h40, o Flamengo publicou nota em seu site — clique aqui e leia. Nela, cita a obra de transposição que mandou realizar após a localização da tubulação de águas pluviais sob a arquibancada Leste. E acrescenta que ela "poderia colocar em risco a integridade física e a segurança da torcida". O clube garante ter seguido rigorosamente todas as determinações dos diferentes órgãos "a respeito de questões relativas à segurança e ao conforto para torcedores, atletas e profissionais que frequentarão o local".

Mas afinal, quem deveria providenciar o alvará junto à prefeitura do Rio e verificar o problema do córrego, constatado apenas em 2017, o Botafogo ou a empresa que tocou a obra?

"Um clube de futebol não pode ser responsabilizado por uma avaliação técnica que cabe a profissionais da área. Porém cabe ao clube a contratação de profissionais qualificados para fazerem essa avaliação", respondeu o presidente do Crea. Fonte: ESPN





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