Zico enche seleção de 70 de elogios e relembra erros de 82: 'A gente nunca tinha jogado junto'



Arthur Antunes Coimbra tem matado a saudade de estar em casa. Ainda que devido à crise de saúde mundial, o diretor do Kashima Antlers Zico está no Rio de Janeiro durante a quarentena provocada pela pandemia do coronavírus. Aos 67 anos, a disposição é a mesma dos tempos em que o camisa 10 fintava adversários no gramado do Maracanã. Mantém uma rotina, com ginástica, atendimento à imprensa e relacionamento contínuo com netos e filhos, tempo precioso que a carreira tomou por anos e ainda belisca nos dias atuais.


"Estou curtindo mais a minha casa porque quando estava trabalhando, viajando eu não curtia tanto", diz Zico.

O maior ídolo da história do Flamengo atendeu a ESPN numa tarde da quarentena. Via videoconferência, claro. E não economizou nas palavras. Em quase uma hora de conversa, Zico detalhou a situação atravessada pelo Japão na pandemia, incluindo os treinos com restrição do seu Kashima, deu sua percepção sobre a possível permanência de Jorge Jesus no seu Flamengo, defendeu a volta do futebol apenas com toda segurança aos envolvidos, falou sobre sua visão sobre os técnicos brasileiros, cobrou ajuda da CBF e das federações aos clubes e abriu largo sorriso ao ser indagado sobre ter sido escolhido recentemente em uma pesquisa como maior jogador da história do Flamengo. Além de ter se derretido pela seleção de 70 ainda viajou quase 38 anos no tempo, rumo a 1982, relembrando a eliminação de uma seleção que encantou o Brasil e caiu diante da Itália no Sarriá. O Galinho foi franco ao opinar sobre o porquê da queda de um time de craques.

"A única coisa que eu vi foi o fato de a gente ter jogado - eu, o Falcão, o Sócrates e o Cerezo - juntos só na Copa do Mundo. A gente nunca tinha jogado junto com o Telê. Foram três anos de treinamento a gente jogando de uma forma. Quando chegou a Copa do Mundo ele criou aquela situação ali e aquilo ali a meu ver prejudicou o lado direito", disse Zico.

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Como está a rotina na pandemia, o contato com os amigos no Japão e na Itália?


Z: É lógico que a situação é meia complicada. A gente até fica meio envergonhado de poder estar recebendo como profissional e não estar trabalhando, não estar podendo fazer praticamente nada. Até mesmo o próprio Kashima pediu que eu ficasse aqui porque a coisa deu uma pequena complicada no Japão. Estava tudo até muito calmo. Na época que a gente falou estava tudo tranquilo, normal, as equipes treinando. Não estava tendo jogo, não estava tendo eventos com o público, mas estava tudo uma vida normal. Só que acho que eles deram uma meia escorregada no sentido que têm japoneses que trabalham e viajam muito. E a maioria vai para os lugares onde estourou a pandemia. Que é na Europa principalmente. Itália, Espanha e França têm muitos japoneses por aquele lado. Até seguindo jogadores japoneses. E nos Estados Unidos também.


Então acho que esse pessoal na volta deve ter contribuído para que esses problemas começassem a aparecer lá no Japão. Lógico que continua agora mais fechado, um pouco do que o normal. O Kashima está treinando, digamos assim, com liberdade de escolha. Quem quiser ir, o clube abre, mas você tem que ter quatro, cinco jogadores num horário, duas horas depois mais cinco, depois mais cinco. Tem questão de usar local de vestiário. Tem aquela questão de medição da temperatura de quem chega. Quem está com um pouquinho de temperatura alta já vai para casa. Os restaurantes às 20h fecham tudo. Shopping praticamente ninguém está indo. Tóquio e as grandes cidades estão isoladas. Então isso tudo faz com que a gente fique assim com uma interrogação de como é que as coisas vão melhorar. Acho que eles fecharam voos para 73 países e isso está complicando. Eu estou aqui em casa desde o dia 7 de março, respeitando a quarentena. Sou do grupo de risco, então a gente não pode dar chance. Tento e procuro fazer uma agenda diária, no sentido de poder ter tempo para fazer minha ginástica, atender vocês (imprensa), fazer os programas do meu canal no Youtube. A vida está dessa forma.

Então recebo aqui a visita dos meus filhos, dos meus netos, mas com todos os cuidados que são necessários. Curtindo mais a minha casa porque quando estou trabalhando, viajando eu não curto tanto. Então agora estou curtindo bastante ficar dentro de casa. Graças a Deus a vida me proporcionou ter um patrimônio muito legal, no sentido de ter uma casa com espaço para aproveitar bastante.

Na Itália já há um retorno das atividades com medidas de precaução. Aqui no Brasil alguns clubes como Internacional e Grêmio retornaram. Acredita que é muito cedo?

Z: Tenho observado que a gente tem de respeitar sempre as determinações das autoridades. De quem entende, de quem estuda, de quem vai lá e passa por esses problemas. Pelo que as grandes autoridades têm falado é que na Europa o pico da epidemia já passou. Enquanto que aqui no Brasil todo mundo fala que ainda está no auge e ainda pode levar umas três semanas. E a gente tem de respeitar isso. Porque essas pessoas estão ali, na linha de frente. Eu tenho falado com diversos médicos, diversas pessoas. Médicos que tiveram o Covid e sofreram com isso. Há pouco tempo mesmo falei com o doutor do Flamengo, que me disse da situação do Jorginho (massagista, falecido essa semana). Ele estava muito preocupado, já conversou muito com a família, que já estava meio que esperando essa situação, principalmente por conta de fumo, de cigarro. É uma doença que ataca essas pessoas porque é uma questão de pulmão. Ao meu ver a volta, as equipes se reunirem tem de ser em uma situação de total segurança para todo mundo. Jogadores, falam que a tendência é 'ah, são saudáveis, é difícil acontecer'. Mas pode acontecer. A gente tem visto notícias de gente nova que está com problemas. Às vezes não sabem, mas em volta do jogador tem toda uma infra-estrutura que precisa também (de cuidado). É preciso estar atento. A gente não pode colocar a vida de um ser humano em risco.


Então é preciso que as pessoas entendam isso. É um sacrifício que está sendo imposto à sociedade e a gente tem que fazer esse sacrifício no sentido de preservar a vida humana. Isso é uma das coisas que eu aprendi muito no Japão. Tudo lá é feito nesse sentido. No sentido de qualquer coisa, atitude que eles tomam lá é preservando a vida humana. Então aqui no Brasil a gente tem de passar por esse processo também. Lógico que têm pessoas que precisam trabalhar, que precisam do sustento, mas está todo mundo dando recomendações. Mesmo aquelas que precisam trabalhar que tenham precauções, no uso da máscara, do álcool em gel, da higiene nas mãos. Então a gente tem de obedecer isso enquanto a gente não tenha uma definição para que a gente tenha liberdade do ir e vir.

O Flamengo anunciou que os jogadores aceitaram redução salarial em 25%. Outros clubes fizeram o mesmo. A postura do atleta deve ser essa nesse momento?

Z: Acho que tem de haver um bom senso de ambas as partes. Porque o clube que sugere uma situação dessa, você tem de analisar como é o passado dele. Se ele deixou de cumprir alguma coisa antes. Não? Então ele quando tem a arrecadação ele cumpre com os compromissos. Então se ele não tem essa arrecadação ele tem de criar um jeito que as pessoas possam compreender. Porque as pessoas também não estão trabalhando e o clube está ali sustentando isso. Eu tenho uma empresa e sei bem o que é isso. Estou lá com meu centro de futebol parado. Como é que é, vou cobrar matrícula de aluno que não vai, que não faz aula? Não pode. Então você tem de ter um entendimento com professores, funcionários. Não vai deixar ninguém na mão. Se tiver que botar do bolso para manter essas pessoas, a gente vai manter essas pessoas, para estar todo mundo pronto. Não é uma coisa de um clube grande, mas a situação é praticamente a mesma. Então aqueles que tiveram uma boa administração, que tiveram, como a gente diz no futebol, uma gordura, estão podendo seguir em frente.

Agora que a gente vai ver onde está o problema. Aí tem a questão de que sobra para o funcionário. Tem que demitir funcionário. Problema é que às vezes tem de saber qual a importância desses funcionários no clube. Porque às vezes quando um ganha a parte política é cabide de emprego aqui, ali. E quando vem uma administração nova não tem como se desfazer dessas pessoas então agora é uma oportunidade para acontecer isso. Mas aí tem os dessa administração. Não estou falando de um clube específico, não. Falando do geral. Então precisa se rever tudo isso. Tem de se observar isso e na hora das decisões ter um bom senso. Poxa, a televisão não paga, eu não recebo, como é que eu vou assumir um compromisso desse? Então acho que todos os funcionários têm de ter esse entendimento. Se o Kashima chegar com isso para a gente lá para mim não vai ter problema nenhum. Mas até agora as empresas que mantêm o Kashima ainda não sofreram. Não tiveram nenhum impacto, não estão deixando de arrecadar. Quem hoje está deixando de arrecadar, sem dúvidas, é a J-League. Porque ela não pode colocar o produto dela em prática, que é o campeonato. Então ela não arrecada da televisão e aí ela não pode repassar para os clubes. Mas a maioria dos clubes não depende dessa questão da verba que vem da J-League. Isso aí é um algo mais, que às vezes serve para prêmio e tal.


O que mantém os clubes são as empresas. Aqui no Brasil é diferente. Aqui você depende dessas receitas de tv, das receitas dos jogos, da arrecadação. Então a situação complica um pouco. Depende da receita do sócio-torcedor hoje, que foi criado. O cara não está recebendo ou está recebendo pela metade, lógico que ele não está podendo contribuir com o sócio-torcedor. Então são medidas que...é um momento complicado. Ninguém é culpado disso, até que se prove o contrário e a gente tem de tentar de todas as maneiras se unir para quando haja uma solução boa com a volta do futebol.

Tem impacto dessa paralisação para o Flamengo, que vinha muito bem, ganhando tudo?

Z: Sempre tem. Sempre tem por causa da falta do ritmo de jogo. Mas uma equipe como o Flamengo que já estava entrosada e tem tudo pronto....se fosse só o Flamengo que tivesse parado, mas o mundo inteiro parou. Então aqueles que já tem, digamos assim, um padrão, um conjunto, esses acabam saindo na frente. Porque em uma semana de treinamento aos poucos tudo vai voltando. O que demora às vezes é o ritmo do jogo, o reflexo da situação ali naquela hora. As jogadas que são treinadas, o posicionamento dos jogadores para um time que estava entrosado não perde muito. Agora, outros que estavam sendo formados, começando a ter um melhor rendimento podem sofrer muito mais do que o Flamengo.

Sobre essa renovação do Jorge Jesus, a chance dele permanecer no Flamengo, acredita que a pandemia pode atrapalhar?

Z: Acho que a questão da pandemia, se tiver os cuidados, acho qe não porque ele está tendo a mesma coisa em Portugal, o mesmo problema lá. O que acho na questão dele ficar ou não é que quando fiz a entrevista com ele para o meu canal no Youtube ele me deu essa impressão de que só sairia para um time que tivesse a mesma qualidade e a mesma condição de disputar títulos que ele com o Flamengo. Então no caso um Real Madrid, um Barcelona, um Liverpool, um Bayern, um Manchester. Esses times que são de ponta hoje. No caso que fosse um time que tivesse qualidade inferior ao Flamengo ele me deixou transparecer que ele não iria. Porque com ele, sem fazer comparações com a questão do euro ou real, o problema tem muito a ver com técnica e a receptividade que ele teve no Brasil. Por parte da torcida, do clube, pelo dia a dia dele no Brasil, por parte de vocês da imprensa. Então você está num lugar que você é bem acolhido e ganhando bem...porque, quer queira ou não, mesmo que sendo um pouco abaixo ele vai estar ganhando muito bem, bem acima, acredito eu, de muitos profissionais. Até mesmo de jogadores. Jogadores top.


Por que não se vê treinadores brasileiros fazendo sucesso na Europa como Jesus faz no Brasil ou como os argentinos?

Z: O argentino, ele ocupou um mercado que antes poderia ser dos brasileiros. Acho que na Europa...eu lembro disso em 2002, falando com o (Giovanni) Trapattoni no Japão. Ele me disse: 'Ah, Brasil não precisa de técnico. Bota os caras para jogar lá. Vocês estão lá reclamando do Cafu e do Roberto Carlos. Eu aqui tendo de improvisar dois zagueiros nas laterais. Se tenho esses dois laterais seria campeão do mundo'. Como quem diz que time brasileiro não precisa de treinador.

Esse era o pensamento na Europa. Difícil. Se você não foi da seleção brasileira ou não teve um sucesso grande como jogador lá na Europa dificilmente você vai ser contratado por um time europeu como brasileiro. Você pode ver, os treinadores que foram para a Europa quase todos eles passaram pela seleção. Você bota na ponta do lápis aí um Ricardo Gomes, que treinou em Paris e foi um ídolo lá. Um Abel em Portugal, que não passou pela seleção. Em Portugal maioria dos brasileiros e tal. Eu só fui para o Fenerbahçe porque o Felipão e o Parreira não aceitaram. Senão eles que iam para o Fenerbahçe, que eram da seleção brasileira. Então o europeu pensa muito nisso. Assim como nós aqui no Brasil. Dificilmente o europeu vem para cá. Vem mais sul-americanos. E o argentino teve sucesso lá com diversos treinadores. Então hoje o mercado argentino você tem lá o Simeone, aquele que era do Tottenham, o Pochettino. Você teve um um que foi campeão se não me engano que foi campeão pelo Manchester City. (Manuel) Pellegrini, que é chileno, mas é sul-americano. Você vê que a escola argentina tomou um pouquinho.

Até mesmo no Japão. Hoje no Japão o Kashima é um time à parte porque sempre teve brasileiros. Ou japoneses. Não teve nenhum técnico de outra nacionalidade. Mas você só tem um brasileiro que é o Nelsinho Baptista. Porque o Nelsinho estava na Segunda Divisão, foi campeão japonês, foi ao Mundial com o (Kashiwa) Reysol, já conhecem o trabalho, foi campeão lá pelo Verdy. Então Nelsinho já é um cara muito conhecido no futebol japonês. No mais você pegar um cara novo e indicar eles não pensam em treinador brasileiro lá. Entendeu? Então é uma fase, um momento que os brasileiros precisam recuperar esses terrenos perdidos. Principalmente nesses mercados. Mercado árabe, mercado asiático, mercado africano. Então a gente teve aí uma quantidade imensa de treinadores brasileiros que iam para lá mesmo para ensinar futebol.

No que os brasileiros deveriam melhorar? Aprimorar conhecimento, aprender outras línguas?

Z: Essa questão de língua não tem influência nenhuma. O clube te dá todas condições. E tem lugares que a maioria é de diversas línguas ali. Não tem só a língua local, não. Então acho que esse não é o problema. Acho que o problema é você, acho que aqui andou um período de renovação, gente que talvez não estivesse tanto preparada e já foram logo sendo colocadas nos grandes times. Aí começou um rodízio muito grande, aí o cara faz sucesso em uma, mas em três não faz sucesso. Aí acaba o mercado. Desvalorizaram demais as pessoas mais experientes aqui no Brasil, começaram achar que os caras estavam ultrapassados, que não servia mais.


Acho que a panela velha ainda dá bom caldo, ainda faz boa comida (risos). A gente precisa também respeitar, coisa que existe mais fora. Então eu acho que o mercado brasileiro, o treinador brasileiro começou a ter problema de até mesmo falta de cursos aqui no Brasil. Eu para ser treinador tive de ter o diploma no Japão, não aqui da CBF. Hoje já tem a carteira da CBF que o pessoal aceita, antes não aceitava em lugar nenhum. Nem de CREF (Conselho REgional de Educação Física), dessas entidades todas, de sindicatos, associações. Eles queriam da CBF. Mas a CBF na época não tinha curso, como você ia ter da CBF? Entendeu? Hoje já está mais organizado, hoje o pessoal já aceita mais. Agora falta mais qualidade também. Mais renovação e o futebol brasileiro também precisa demonstrar isso. Principalmente a seleção brasileira. Seleção brasileira quando vai bem, o nível não só para jogador e treinador aumenta. Quando vai mal, a coisa pega para todo mundo.

Você falou de seleção brasileira. Acredita que o Flamengo, que vem tão bem, poderia ser um modelo, com um futebol mais ofensivo, agressivo?

Z: Acho que esse é um pouco do espírito do futebol brasileiro, no meu modo de ver. Você tem de realmente ser agressivo, impor a sua melhor condição e não fazer da seleção uma coisa burocrática. Os últimos jogos amistosos que vi da seleção achei isso. Achei que os jogadores da seleção estavam indo para cumprir sua missão de que foi convocado. E não para entrar dentro do campo com a disposição de que 'pô, é minha última chance. Estou vestindo a camisa da seleção brasileira, vou com tudo. Vou fazer pressão em cima'. Eu não notei isso. Acho que está faltando isso na seleção. E a gente tem que copiar o que é bom. Se uma coisa está funcionando e todo mundo está vendo.

E isso já aconteceu na seleção, não é uma coisa nova. No final dos anos 60, nas eliminatórias éramos aqui Cruzeiro, Botafogo e Santos. A seleção foi desses três times. A Copa do Mundo não deixou de ser também uma mescla de Santos e Botafogo. Eram os melhores. Fomos para uma Olimpíada com um time do Internacional e alguns outros jogadores. Se você tem um time que está sobrando e muito bem por quê vou desfazer isso? Vou procurar utilizar o máximo daquele conjunto ali. E não tenho que ter vaidade de 'ah, não, eu tenho uma filosofia diferente, não quero'. Não é por aí. Importante é você fazer um time, uma seleção para se identificar com o futebol do teu país né?


Falando em seleção brasileira, o principal craque do país, o Neymar, já tem 28 anos. Pode chegar ainda a ser melhor do mundo? Fala-se de um retorno ao Barcelona...

Z: Vou te dizer, o auge da minha carreira foi entre 27 e 31 anos, por aí. É onde você toma todas as decisões já mais sábias dentro do campo, principalmente. Quando você está voltado para dentro do campo. Acho que essa é a minha preocupação com o Neymar. Por ser fã dele, por gostar dele e por achar um dos grandes jogadores dos últimos tempos. Agora, tem de ser notícia pelo que ele faz dentro do campo, pela vida dele dentro do campo, como profissional.

Então, lógico, ele hoje é uma celebridade, tem notícia de tudo que é lado e tal e aí fica esse negócio e acabam esquecendo da importância dele, do que faz dentro do campo. Lógico, não é nenhum garoto, tem de saber as decisões que tem de tomar. Por ele, saber o que ele representa para o futebol. Não vou dizer só para o futebol brasileiro, mas para o futebol mundial. Para que ele consiga esse feito, que ele está correndo atrás. Só que no meio do caminho estão tendo algumas turbulências e o está impedindo de ser reconhecido só dentro do campo.

Nesse período de quarentena tem visto os jogos antigos nas reprises, seja da sua época ou não?

Z: Algumas sim. Acho que é sempre bom a gente ver o nosso trabalho. Porque a gente chegou num certo topo, numa certa condição. Então é sempre legal você ver ações e reações que você não lembrava. Jogadas que você analisa hoje diferente da época que você jogava. Eu gosto, sempre gostei de ver jogos em qualquer situação. Reconhecer o porquê desse ou daquele jogador ser citado. A questão de, por exemplo, de situações que fazem com que às vezes você chegue numa final, outros não. Um consegue ser campeão, outro não. O porquê e tal. Essas lembranças são boas. Agora, só não gosto de que passando isso o pessoal venha com comparação daqui, dessa época, de agora. Porque eram situações diferentes, cara. Trabalhos diferentes, infra-estruturas diferentes, uniforme diferente, bola diferente, tudo era diferente.

Então acho que você não pode comparar 'ah, fulano não jogava hoje, de hoje não jogava antes'. Não é por aí. Acho que o futebol cada época é uma época. Eu, por exemplo, gostei muito de ver o pessoal de 70. Aquela Copa eu assisti, a televisão lá de casa teve um problema e eu assisti àqueles jogos, a televisão ficava ao contrário. Então deu um problema e não tinha como consertar na época. O Jairzinho jogava pela ponta esquerda, o Rivellino pela ponta direita (risos). Eu agora vi. É uma seleção que me inspirou muito, aqueles jogadores, principalmente do meio para frente. A questão dos caras de lançamentos, dribles, jogadas, posicionamento. A movimentação do Tostão, por exemplo, que me chamava muito a atenção. Muita gente dizendo que isso aí foi criado depois, aquilo de falso 9. Então é muito engraçado você rever essas coisas. E aí poder ver que uma daquelas coisas que fez aquela seleção ser tão boa, das seleções que eu vi aquela foi a melhor de todas, é a questão...o time tinha a individualidade, mas o esquema tático era mantido por todos. O posicionamento era mantido por todos.


Então era muito legal você ver o Pelé voltando, fechando o Tostão por um lado, o Rivellino pelo outro, o Jairzinho voltando pronto para receber um lançamento, a entrada dos laterais. No jogo com a Itália em que eles marcavam homem a homem você via a questão de que quem foi liberado foi o Gerson, para ir para o ataque e acabou fazendo um gol. Até o Everaldo chutando em gol, caras que vinham de trás. Então essas coisas aqui você vê que não é importante ter só grandes jogadores, importante é esses jogadores respeitarem aquilo que está sendo determinado pelo técnico.

Chegou a ver os jogos da Copa de 82, a partida contra a Itália? Por que o Brasil não avançou ali?

Vi. Eu, como técnico, a única coisa que eu vi foi o fato de a gente ter jogado, eu, o Falcão, o Sócrates e o Cerezo ter jogado juntos só na Copa do Mundo. A gente nunca tinha jogado junto com o Telê. Foram três anos de treinamento a gente jogando de uma forma. Quando chegou a Copa do Mundo ele criou aquela situação ali e aquilo ali, a meu ver aquilo prejudicou o lado direito. Prejudicou o Leandro, que era acostumado a ter um Paulo Isidoro, um Tita voltando. E ali não tinha ninguém que ajudava por aquele lado. A gente caía esporadicamente, mas não era função de ninguém. Até a gente acertar levou...o primeiro jogo da Escócia não foi legal, o da Nova Zelândia já foi mais ou menos, o da Argentina já foi...e o da Itália acabou a gente sofrendo um pouco mais. Então é aquilo que eu digo da diferença de 70. Se a gente treinasse o período, aqueles quatro, para saber quem ia cair lá, quem ia marcar e fechar aquele setor....e isso aconteceu a partir do segundo jogo. Então é uma diferença. Não é só a qualidade individual. É preciso também a tática, o conjunto. A única vez que a gente jogou junto um jogo foi em 79 em São Paulo, contra o Ajax. Jogou o Falcão e o Cerezo (indicando com os dois dedos) e o Sócrates de centroavante. Então a gente teve de mudar um pouco a forma de jogar. E acho que um jogo que a Itália, que era um time com jogadores individuais muito bons, mas não vinha com um conjunto bom, aproveitou algumas falhas nossas coletivas e individuais. E aí não tem jeito, cara.

Nesse período de jogos do passado houve muita nova análise de craques de outras épocas. Romário superestimado, você chamado de superavaliado. O que acha disso?

Z: A liberdade de expressão deve existir para todo mundo. Cada um vê de uma maneira, a gente não tem de ficar chateado com isso. Eu de maneira nenhuma vou ficar impressionado com aquele que não viu, não participou do momento e está vendo agora só de uma coisa fria da televisão. Isso nesse ponto não me preocupa em nada. Cada um tem direito de ter sua opinião e eu respeito muito isso. Você tem de dar razões para às vezes você dizer o porquê daquilo, né. Por que é superstimado, por que é menos avaliado? O cara quando te dá razões às vezes 'não, está muito abaixo daquilo que eu penso'. Mas por quê? Tem de dizer o porquê. Fez isso, não fez aquilo, deveria ter feito mais? O problema é de quem fala, ele tem de explicar. Não adianta dar só o peixe, tem de ensinar a pescar. Falar de uma coisa fria que já passou há anos não vivendo aquele momento é bem fácil, né?


Acredita que a CBF deveria ajudar os clubes nesse momento difícil, ser mais incisiva nisso? Não com os grandes, mas até principalmente com os menores.

Z: Acho que as entidades se beneficiam muito com isso. Então acho que elas estão ali para ajudar. Não só a CBF como as federações também. Você não pode ter federação rica e clube pobre, já que o clube é a célular mater do futebol. Então acho que é necessário que sempre se faça uma avaliação. Mas no momento que você dá ajuda, depois você cobra como está funcionando a ajuda que você está dando. Acho que é por aí, lógico.

Muito se questionou que o Flamengo demitiu funcionários e só depois reduziu os salários dos jogadores. Acredita que a ordem deveria ter sido inversa?

Z: A gente falar de uma coisa daqui de fora, eu não gostaria de falar. Porque não sei a situação que está. O que a gente vê nos clubes é que entra uma administração aí coloca muita gente lá, o clube às vezes fica virando cabide de emprego. Aí depois vem a outra administração e quer arrumar um jeito de mandar pessoal embora. A gente vê muito disso nos clubes. Então o bom senso tem de existir sempre. Para mandar uma pessoa embora você tem de saber como que ela está funcionando, qual o serviço que ela está prestando, qual a importância dela para o clube e tentar chegar nem ao acordo com os jogadores, é saber como está funcionando. E não simplesmente 'ah, foi fulano que trouxe, não gosto de fulano'. Vai lá e demite. Isso infelizmente ainda acontece no futebol e eu espero que esse não seja o caso do Flamengo. Não sei quem são as pessoas demitidas e o porquê, a causa. Eu fui presidente de clube, dono de clube, tomava a minha iniciativa e fazia o que tinha de fazer. Se eu tivesse que demitir alguém, que é uma situação muito ruim, e hoje tenho meu centro de futebol e também tenho de tomar essas decisões, vou explicar o porquê. Olha pedi para fazer isso, não está fazendo, o resultado não é ideal e a vida que segue, né. Sem prejuízo para ninguém.

Você já foi jogador, técnico, diretor e presidente. O que é mais fácil?

Z: Mais fácil é sempre jogar porque isso é que Deus me ensinou. (risos). Então para mim jogar era muito mais fácil porque depende só de você. Técnico ainda um pouco depende porque é você que escala, você que planeja tudo, que monta sua comissão Ainda depende de você. Agora presidência, diretoria, não depende. Depende da turma lá por mais que você possa ter indicado, colocado. Você depende sempre do resultado.


Recentemente você foi eleito numa pesquisa do jornal O Globo como o maior jogador da História do clube. Acha que os jogadores atuais poderiam subir nessa lista, até Jorge Jesus?

Z: O Jesus nessa daí não sobe porque é só de jogador, né? (risos). Mas primeiro queria agradecer a todos que votaram para me dar essa condição. Até na entrevista que dei agradeci ao meu pai, que ensinou todos nós da família a sermos rubro-negros. Acho que isso depende muito do dia a dia. Ser ídolo de um time como o Flamengo requer uma série de valores, de situações importantes que acho que fizeram com que eu tivesse essa unanimidade. Não é só questão de você ganhar títulos, fazer gols, jogar bem. É uma série de coisas. Profissionaliso, respeito aos profissionais, luta pela classe, luta pelo time, liderança, tem uma série de situações que estão tudo aí no meio, embolado. Então se você vai só pelos números esse pessoal lógico que já entrou na história do clube. E a gente fica feliz, eu como torcedor rubro-negro quero mais é que eles ganhem mais porque vamos ver a torcida do Flamengo feliz. Esse sempre foi o meu desejo como rubro-negro. Lógico que eles podem subir ainda mais degraus. As futuras votações vão ser de pessoas que talvez pudessem ter mais ligação com essa geração agora. E isso não tem problema nenhum e ninguém vai ficar chateado por isso. Acho que o momento que aquele pessoal nosso de 81 teve foi um momento ímpar na história do clube. Nós em cinco anos ganhamos mais títulos que o Flamengo havia ganho em toda a sua história. Lógico que isso marca. E títulos importantes. Então não é questão de....e outra coisa, fato de a gente ter sido formado no clube, formado no Flamengo, conhecendo o que era Flamengo. Então a gente fica feliz com essa citação nossa com essa eleição que teve aí a respeito da História do Flamengo.

Quando se fala com conversa com você sobre as conquistas do Flamengo atual se percebe uma felicidade genuína, nenhum receio de sucessos da nova geração. É bem por aí?

Z: É claro. Ainda mais que a gente passou por momentos aí muito complicados, de dificuldade. Estou bem feliz porque passei por esse processo de mudança que teve no clube a partir de 2012. Participei muito das reuniões antes da eleição para todo esse projeto que foi criado no Flamengo de primeiro se recuperar, adquirir uma credibilidade, sanear as finanças. Então lembro que fiz dois pedidos a esse pessoal, que na época era (Luiz Eduardo Baptista) Bap, (Rodolfo) Landim, Gustavo (Oliveira) que está no marketing, o (Flávio) Godinho, o Wallim (Vasconcellos), tinha acho que o Ruben Osta. Eram sete pessoas, disse seis e está faltando um aí.

Então normalmente eram esses seis que iam na reunião e eu fui pelo menos numas oito reuniões presenciais. E fiz dois pedidos a eles para que eu apoiasse aquela mudança: pagamentos em dia, salários em dia e a construção do CT do Flamengo. E a construção do CT teve um cara que foi da administração da Patricia, que já começou e depois deu sequência a isso, que foi o Alexandre Wrobel. Que foi incansável nesse trabalho. Sei porque no pouco tempo que eu estive lá eu fui a diversos lugares, diversas empresas com ele, que foi incansável na construção daquele CT lá, muito bem homenageado ao Gerge Helal. Então fico muito feliz de ter visto o Flamengo ter ganho credibilidade como clube e também ter construído um dos maiores centros de futebol que temos no mundo. Hoje profissional de futebol tem uma infra-estrutura para trabalhar que eu gostaria de ter tido na minha época. Mas também a falta de estrutura nos fez crescer de outra forma, saber que a gente tinha de dar duro mesmo se a gente quisesse ter sucesso ali. Então foi a entrega nossa ao clube, ao Flamengo, por isso que foi importante ter todo aquele pessoal da base que sabia o que era Flamengo, que conhecia o que era Flamengo, então tinha outro pensamento de como ir que ia para dentro do campo, com campo ruim, com salário atrasado. Mas a gente sabia o que era representar ali o Flamengo. Então acho que por isso Deus foi muito generoso com a nossa geração e fez a gente, como diz o nosso Bruno Henrique, entrar em outro patamar na História do clube.


Fonte: Espn

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