Em entrevista à coluna, o ex-presidente do Flamengo , Eduardo Bandeira de
Mello, eleito no último domingo (2) deputado federal pelo PSB-RJ, partido que
apoia Lula, falou sobre as ideias que levará ao Congresso.
O ex-dirigente coloca a educação infantil entre suas prioridades. Para
assegurar verbas para essa e outras áreas fundamentais, ele prega o combate ao
orçamento secreto [ sistema criado em 2020 pelo qual parte significativa das
verbas federais é administrada por deputados e senadores] .
Na mira do ex-cartola está a mudança no sistema eleitoral da CBF por meio da
legislação. Bandeira ainda citou a maneira como a sua gestão no Flamengo usou
o dinheiro das luvas pagas pela Globo como exemplo de administração da verba
pública. A seguir, confira a entrevista.
Quais são as suas pautas prioritárias na Câmara dos Deputados?
Eduardo Bandeira de Mello - Acho que existem pautas muito prioritárias
para um deputado se debruçar. A questão da educação, talvez, seja a maior
delas. A questão da atenção básica à saúde, a educação infantil. A questão
ambiental é uma coisa que é muito cara para mim porque eu trabalhei nisso
durante muito tempo no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social). Fui um dos fundadores do Fundo Amazônia, primeiro chefe do
departamento gestor. Mas acho que nada disso a gente consegue desenvolver se
não houver respeito ao dinheiro público, respeito ao dinheiro que vai compor o
orçamento. Enquanto continuar essa situação de orçamento secreto, emenda de
relator que acaba sugando toda a sobra do orçamento para coisas às vezes
cosméticas, que não têm fiscalização nenhuma, nada você vai conseguir fazer
nas áreas prioritárias. Então você tem que, em primeiro lugar, garantir que
haja espaço no orçamento para que o país possa investir, possa recuperar o
nível de investimento e que aí possa gerar empregos, possa gerar oportunidades
para que o país possa sair dessa estagnação porque está aí há mais de 30 anos.
E aí, sim, você vai ter condições de investir nessas áreas prioritárias.
Combater o orçamento é uma de suas prioridades, então?
Bandeira - Com certeza. Nunca vou ser a favor de uma coisa dessas. Nada
que seja secreto é bom. Fazendo um paralelo do que a gente fez no Flamengo, a
nossa gestão foi marcada por competência, por transparência e por integridade.
Se não tiver essas três coisas, você não chega a lugar nenhum.
Entendi. Em Brasília o senhor vai dar continuidade ao seu pensamento, vai
valer o que valeu para o Flamengo.
Bandeira - Não posso ser incoerente. No BNDES e no Flamengo agi de uma
maneira, no Congresso, vou agir da mesma maneira.
Na área de educação, o senhor tem alguma linha que possa destacar?
Bandeira - Existe quase que um consenso, não só entre os educadores,
mas também entre os economistas, de que a educação infantil, a educação da
pré-infância é a questão que tem mais retorno social e econômico. Então, é
fundamental que tenha creches para todas as crianças, creche de qualidade,
porque é o momento em que a criança está tendo o seu cérebro desenvolvido.
Então, isso é fundamental. Educação em tempo integral é fundamental também.
Não adianta você ter isso como prioridade se você não consegue fazer com que o
dinheiro dos nossos impostos seja respeitado e seja direcionado para tudo
isso, que é prioridade para que o país volte a crescer, a investir, a gerar
emprego.
Em relação à saúde, o que o senhor pensa no sentido de acabar com todos os
déficits nessa área?
Bandeira - Acho que a questão fundamental na saúde é a coisa da atenção
básica. Nós, que somos privilegiados, temos médicos de família, plano de saúde
, o que a gente faz? A gente se consulta com um generalista. Ele nos encaminha
para os procedimentos necessários, mas tudo começa com o clínico geral. Então,
você tem a atenção básica de saúde. É nisso que você tem que focar. Se
existirem clínicas da família que funcionem bem, você resolve 80%, 90% dos
problemas ali. Aí nos procedimentos de maior complexidade você não teria
tantos problemas. Então, atenção básica é fundamental. Claro que isso é uma
iniciativa que é muito mais da prefeitura. Claro que você, da Câmara, pode
apoiar isso e se colocar de maneira que as prefeituras tenham condições de
investir mais na atenção básica [ na ] saúde. E de investir mais na educação
infantil, que também é um problema basicamente de prefeitura. Quando fui
candidato à prefeitura [do Rio], em 2020, o nosso programa de governo virou um
livro. Tem um capítulo sobre cada linha de atuação de uma prefeitura. Saúde,
educação, tem tudo isso que estou falando. Então, muita coisa que está ali, eu
vou aproveitar também. Vou seguir basicamente aquela linha. Mas sempre
pensando no dinheiro público. Se você pensar no dinheiro do Flamengo, o que a
gente poderia ter feito com o dinheiro da Globo, por exemplo, quando a gente
renovou o contrato de direitos de transmissão de 2016?
O quê?
Bandeira - Ou a gente fazia o que todos os clubes fizeram, menos nós,
que foi investir no time o dinheiro das luvas [ pagas pela Globo ] e depois,
quando acabou, ficaram sem ter para onde correr. Ou, então, usar as luvas para
reduzir dívida, para construir Centro de Treinamento. E aí acaba que as suas
finanças melhoram e você passa a ser autossuficiente. Moral da história,
depois de 2019, o dinheiro tinha acabado para todo mundo, e nós estávamos
nadando de braçada. Já não era mais eu, mas era o Flamengo. Fui o único
presidente de clube que deixou uma parte substancial das luvas da Globo para
serem sacadas pela administração seguinte, que eu não sabia nem quem seria.
Por acaso é aquele pessoal que não gosta de mim, mas é o Flamengo. Você tem
que agir de acordo com o interesse da instituição que você representa.
Se a gente olhar, é comum no futebol brasileiro o cara pensar mais na
gestão dele do que no clube.
Bandeira - É isso aí. Infelizmente isso é a regra, não é exceção.
Durante o processo de discussão das luvas da Globo, que os clubes se reuniam
muito, um presidente de um clube enorme, falou: "não quero saber do futuro,
quero saber do meu mandato, quero saber quanto vai entrar no meu mandato.
Depois, ele ficou em dificuldades. Felizmente, o Flamengo não ficou.
Falando sobre meio ambiente, Lula tem falado muito sobre usar o solo
degradado na agricultura para evitar o desmatamento. O senhor tem algo
pensado nessa área?
Bandeira - Isso é um consenso. Se você tem aquela área de pastagem, que
já foi desmatada, que está degradada, que já foi usada para agricultura, é uma
área que você pode usar para o agronegócio e, com isso, você preserva o que
tem de floresta. Durante o governo atual [ de Jair Bolsonaro ], a gente bateu
todos os recordes de desmatamento. E o desmatamento da Amazônia é a maior
fonte de emissão de gases de efeito estufa do Brasil. Se você comparar com
outros países do mundo, a gente não tem grandes emissões decorrentes de
indústria, de queima de combustíveis . Mas, em compensação, a gente tem o
desmatamento da Amazônia, desmatamento das florestas, de maneira geral, que
são a nossa maior fonte de emissão de gases de efeito estufa. Isso tem que
parar, isso é uma vergonha.
No futebol, o senhor vê alguma pauta mais urgente?
Bandeira - Uma coisa que seria superimportante, a gente tentou atacar
isso no Profut, mas acabou que a reação do outro lado foi muito grande, é essa
coisa da governança, das entidades de administração do esporte. O processo de
eleição da CBF, das federações é absolutamente irracional, porque aquilo está
nas mãos... A CBF está totalmente nas mãos das federações. E as federações
estão nas mãos de pessoas físicas, de famílias, de gente que se perpetuou no
poder. Então, acho que a gente nunca vai ter uma modernização objetiva do
futebol brasileiro enquanto você não tiver uma governança moderna, democrática
das entidades de administração. Pelo que eu li, em troca do aval para a
criação da Liga, os clubes concordaram com aquela idiotice de pesos
diferenciados na eleição do presidente da CBF. Aquilo se cristalizou, então, o
Flamengo, o Corinthians , o Palmeiras, têm [ voto com ] peso inferior à
federação do Amapá, de Roraima [ de todas as federações ]. Então, você nunca
vai ter um presidente da CBF escolhido pelos clubes. Isso para não falar de
outras coisas, que também poderiam ser pensadas, tipo participação dos
atletas, dos dirigentes, de membros da sociedade civil para que a gente
pudesse ter uma coisa mais moderna, mais eficiente porque, no fundo, o futebol
fica na mão das mesmas pessoas. Seria interessante você ter a nível de
legislação, dado que não dá para você sonhar com alguma coisa que venha
internamente do sistema, mas a nível de legislação, você obrigar que haja,
como existe em outros países, em outras federações de outros esportes do
Brasil, uma participação mais democrática. Uma governança mais moderna, com
participação dos clubes, de atletas.
Imagem: Divulgação
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