Por Fred Gomes e Ivan Raupp | GE: A era Paulo Sousa já começou no Flamengo, mas o primeiro jogo do ano será
disputado sob direção de Fábio Matias, técnico do sub-20. Embora seja um
profissional de sucesso na base, com conquista de Copa São Paulo no currículo,
o ge tratou de apresentá-lo aos rubro-negros que ainda não o conhecem.
Paulista de Santa Bárbara D'Oeste - e não gaúcho, como muitos pensam devido à
ligação criada com o Inter de Porto Alegre -, Fábio tentou ser goleiro
enquanto garoto, mas não conseguiu. Até teria a desculpa da altura a seu favor
(tem 1,77m), mas, bem-humorado, admitiu que lhe faltou um algo a mais.
Nesta quarta-feira, às 21h35, contra a Portuguesa, na estreia rubro-negra
dentro do Carioca 2022, faz seu primeiro jogo à frente do profissional do
Flamengo. E, ao falar de si, Fábio diz-se adepto do futebol vistoso e afirma
ter cortado a palavra "risco" de seu dicionário. Para ele, é fundamental dar
liberdade ao jogador dentro de campo e evitar proibições em excessos para não
inibir o talento deles.
- Fábio Matias é aquele ser humano, primeiramente, que agrega muitos valores
na vida pessoal. Gosto das questões de forma clara e correta. Como
profissional, gosto de um futebol vistoso e prazeroso em que o atleta vai ter
a liberdade dele em relação às escolhas e a forma como ele vai construir o
jogo.
- Acho que nós treinadores temos um fator influenciador em relação à parte
cognitiva, do desenvolvimento do atleta. Gosto desse futebol gostoso e
prazeroso em que você consegue enxergar a equipe jogando, propondo e tendo
intensidade.
Ao citar a palavra "intensidade", Fábio contextualiza de forma enfática o que
ela significa para si dentro do futebol. E insiste na questão da coragem para
jogar, de não desestimular seus pupilos com muitas correções ou observações
repetitivas.
- E a gente tem que entender o que é intensidade. Intensidade não é só correr,
é estar nos lugares certos ocupando os espaços certos dentro do jogo. Isso é
uma característica do jogador de alto nível. Característica de infiltração, de
pisar dentro da área e ter coragem para jogar. Coragem para arriscar. Uma
palavra que eu parei de usar no meu termo dentro do meu trabalho é risco.
- Até hoje brinquei no treino e disse: "Quem não arrisca não consegue chegar
em determinados lugares". Lógico que você vai ter o risco controlado, mas o
jogador tem que ter coragem. Se começa a melindrar demasiadamente o jogador
"ah, não faz isso, não faz aquilo", a gente acaba tirando um pouco da famosa
autonomia de que tanto se fala.
Apresentado à torcida, Fábio Matias volta à direção técnica do time sub-20 tão
logo que encerre sua participação nas rodadas iniciais do carioca. Vale
lembrar que recentemente Maurício Souza, demitido pouco depois da chegada de
Paulo Sousa, foi promovido a auxiliar da comissão permanente do profissional.
Isso não acontecerá nesse momento com Fábio, que garante foco total nos
juniores.
Confira outros tópicos da conversa, como os primeiros contatos com Paulo Sousa
e avaliações sobre duas joias: Matheus França, nos holofotes e com contrato
recém-renovado até 2027, e Lázaro, antes grande esperança e hoje pressionado a
apresentar o que ainda não entregou no profissional.
Leia abaixo:
Mais sobre o estilo próprio
- Eu gosto de equipes organizadas. Você tem que olhar os quatro, cinco
momentos de jogo com qualidade. Mas a questão da interpretação do jogo é do
atleta, temos que estimulá-la para que saia daqui a pouco numa situação que
ninguém espera. Eu estou esperando um passe entre linhas do 8 para o 11, e
daqui a pouco o meu guri olha e acha o 9. É sensacional você ter atletas que
matam toda a linha adversário.
- Isso são coisas que temos de canalizar no processo de desenvolvimento para
formar melhor e para que o atleta chegue ao profissional com condições de ser
realmente um ativo do clube e ser um grande jogador. O Fábio pessoa tem muitos
valores pessoais. Valorizo muito algumas questões como caráter e conduta. E
tem o Fábio profissional, que gosta desse tipo de jogo e desse tipo de
jogador.
Primeiros contatos com Paulo Sousa: preocupação do português com o
desenvolvimento
-A gente teve um início, uma reunião e conversas em relação a questões de
jogo, conceituais e sobre o que ele pensa também sobre formação, que acho
importante isso. Essa experiência que ele traz do futebol europeu é muito
importante para nós. Ele trabalhou em processo de base, formação e transição
de base para o profissional.
- Nas conversas, falamos da questão principal do desenvolvimento individual do
jogador, que é algo que eu, como o treinador, e o Flamengo, como clube,
apostamos muito. Desenvolver individualmente o jogador em relação a táticas
individuais e de grupo, a técnicas de aprimoramento para a partir daí você
pensar nas questões conceituais de jogo mais macro, de jogo coletivo.
- Se você não trabalhar as questões de tática individual como ajuste de corpo,
posicionamento, leitura e lado cognitivo, automaticamente você não vai
conseguir desenvolver um bom coletivo. Basicamente foi essa conversa que
tivemos. E isso é importante para ajustarmos algumas questões a nível de médio
e longo prazo em relação a processos de transição.
Por que Matheus França tem se destacado tanto?
- Ele agrega dentro dele muitas coisas importantes. Além das questões técnica
e tática, ele tem uma parte cognitiva e o entendimento de jogo muito altos.
Isso faz com que ele se destaque porque ele interpreta bem os espaços. O
segundo ponto é a versatilidade em relação às várias partes do campo. Consegue
jogar por fora, por dentro, como segundo (atacante) e um pouquinho mais atrás.
Lógico que ele vai ter que ter o que a gente chama é de especialização, que é
definir algumas questões sobre posição e trabalhar algumas deficiências que
tem ainda em alguma determinada faixa de campo.
- A versatilidade é algo que o jogador talentoso tem, entender os espaços e a
gestão. Ele tem uma capacidade de ser decisivo e de finalização muito grande.
- Resumi o porquê de o Matheus França acabar se destacando. Também tem bom
entendimento do espaços, posicionamentos corporais, estruturais e leitura.
Joga olhando pouco para a bola. Ele visualiza 360 graus aquele mapa em relação
ao campo de jogo. É uma característica dele e que ele tem desenvolvido no
processo de formação dentro do Flamengo.
E por que Lázaro, que tinha o mesmo tratamento em 2019 após marcar gol de
título na final do Mundial Sub-17, não conseguiu explodir ainda? Tem dado
atenção especial a ele?
- A gente iniciou praticamente no fim de julho e começo de agosto (chegada de
Fábio à Gávea), então foi entre início e o meio de uma competição. O
calendário sub-20 hoje em dia é muito pesado. É jogo, jogo, jogo. Consegui dar
uma sequência de treinos, de três semanas, em dezembro, que foi a preparação
para a Copa São Paulo. E essa sequência também ajuda muito o desenvolvimento
do atleta. Então essas rotinas que temos alguns desenvolvem mais rápido e
outros precisam da sequência da rotina.
- O Lázaro pegamos nesse processo. Estava no sub-20, depois fez alguns jogos
no profissional, retornou para o sub-20 e findou o processo no profissional.
Às vezes alguns atletas precisam de um tempo um pouco maior, e a gente tem
toda a estrutura para isso. Há a intervenção da parte da psicologia, da parte
de campo. São vários fatores que fazem o jogador deslanchar.
- E o Lázaro tem muito potencial grande. É um jogador de decisão e que tem
definição muito grande. E faz parte mesmo do processo alguns acelerarem um
pouco mais e outros reduzirem a marcha para acelerar novamente. Mas esse
contexto que temos de entender em relação ao sub-20. O sub-20 é composto por
três anos de trabalho.
Mais explicações sobre o sub-20 para falar de Lázaro
- Hoje temos um processo estabilizado em que tem o sub-20 B. O sub-20 B tem
jogadores que saem da categoria sub-17, vem para o sub-20 e fazem o
desenvolvimento. A sub-20 A é o que chamamos de performance. São atletas que
vão estar mais na vitrine e mais visíveis para o público. A situação do Lázaro
é que tem um processo de desenvolvimento e crescimento. Ele ainda vai ganhar e
vai ter tudo isso. É um jogador de muito talento.
Como o Flamengo e Paulo Sousa recebem esse seu gosto pelo "futebol
vistoso"? O clube já vem praticando antes mesmo de 2019 um jogo mais
propositivo e competitivo.
- O clube já tem todo esse processo institucionalizado em relação ao perfil do
jogo. Talvez minha contratação, acredito muito nisso, veio para se adequar ao
perfil que o clube acredita. O Flamengo enxerga o jogo na categoria de base
muito por isso.
- A gente conhece um pouco o trabalho do Paulo por acompanhar. As equipes dele
jogam maravilhosamente bem. São equipes organizadas e que têm o controle de
jogo. São coisas que quem está no Flamengo tem que ter. O Flamengo é um dos
maiores clubes do mundo. O Flamengo tem que formar jogadores tenham
agressividade, intensidade e que entendam o jogo.
- E isso institucionalmente está dentro da formação. Tenho o Noval como
gerente da transição, tenho o Luiz Carlos como gerente geral da base. Isso foi
colocado logo no início das primeiras conversas quando estive para vir para
cá. E uma das colocações foi que a ideia de jogo do Flamengo batia muito com a
que eu realizava nas equipes. São caras que trabalham na base, que conhecem o
mercado e foram acompanhando. Acompanharam um pouquinho do Desportivo, um
pouquinho da época do Grêmio, acompanharam as passagens pelo Inter.
Há chance de jogadores do grupo principal figurarem nesse início de Carioca
com você no comando?
- Tudo depende do planejamento do profissional. Dentro desse planejamento, o
profissional disponibiliza alguns jogadores. Temos feito esse formato e
aguardado para aí fazer a execução desse processo de primeiro e segundo jogo,
que basicamente que são os dois jogos que temos como jogos-referências para
serem feitos. É uma oportunidade para os meninos. Ser oportunizado numa
estreia de Carioca acho que tem que ser muito valorizado.
É difícil para um treinador citar nominalmente destaques, mas enxerga
alguns jogadores da Copinha mais prontos para o profissional? Além do
Matheus França, os laterais Wesley e Marcos Paulo foram muito bem. É
possível citar alguns?
- Você já citou vários nomes (risos). É algo que a gente evita de tocar no
assunto individualmente. São meninos que têm tido um processo legal, atletas
que têm se desenvolvido e estão na transição. Eu destacar um ou outro
indivíduo acabaria gerando expectativas além das expectativas. Cuidamos muito
disso internamente, e eu sempre deixo para vocês falarem os destaques,
assistirem aos jogos e comentarem individualmente. Sempre brinco que essa é a
pergunta-sabonete. Eu sempre vou dar uma escorregada e não vou te afirmar e
nem responder sobre essa questão dos atletas (risos).
Você volta para o sub-20 após esses dois jogos ou há possibilidade de
incorporação à comissão técnica do profissional?
- Volto, a prioridade é para o sub-20 e o trabalho hoje é muito focado no
sub-20 e na continuidade da categoria. Acho que é um ponto que ser frisado.
Hoje estamos fazendo uma oportunização de processo dos meninos no
profissional. E automaticamente a gente retorna para o sub-20 para dar
continuidade. Temos um calendário muito extenso. Temos estadual no início, o
calendário do Brasileiro está invertido e deve começar no primeiro semestre.
Vai ser um ano pesado, e temos a vaga na Copa do Brasil, o que não tivemos no
ano passado. O sub-20 é uma categoria muito importante hoje em dia. A
prioridade é sub-20.
E essa história de que você tentou ser goleiro. Não dava para ser igual ao
Jorge Campos, do México, baixinho, porém bom jogador?
- Modéstia à parte eu era bom, melhor que muitos aí (risos). Não, brincadeira.
Eu tinha o sonho de ser jogador de futebol, como qualquer um. Acho que eu não
era bem qualificado para a linha, mas era um pouquinho arrojado enquanto
criança e adolescente e fui parar no gol.
- Aí consegui jogar nas categorias de base do time da minha cidade, a União
Barbarense. Depois subi para sub-17, sub-20, Copa São Paulo... Consegui jogar
nessas categorias aí, mas aí a gente vai vendo que tem algumas limitações. Na
hora que pisei na Quinta Divisão do futebol de São Paulo profissional, vi que
o negócio era feio. Fui vendo as dificuldades, estava estudando na faculdade
de Educação Física. Joguei um pouco futsal, o Campeonato Paulista, a Série
Ouro e tudo. A gente tentou.
- Aí foram três anos como preparador de goleiros na base, cinco anos como
preparador físico, no sub-20 e no profissional, até me tornar treinador. Fiz
faculdade, estudei, fiz pós graduação e também atuei como auxiliar técnico. É
um resumo do que fiz porque são mais de 20 anos de futebol, comecei com 21.
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Imagem: Marcelo Cortes
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