Por Blog do Mansur | GE:
Durante pouco mais de 50 minutos de entrevista, Paulo Sousa sequer precisou
expor segredos, mergulhar fundo nas minúcias de seu modelo de jogo para
demarcar uma diferença e apresentar um cartão de visitas: a disposição de
conversar sobre futebol, uma certa dose de generosidade com o debate. Além do
trabalho, dos métodos e das ideias, talvez seja na troca de impressões sobre o
jogo que o Brasil mais tenha a ganhar com a chegada de estrangeiros. É a
vantagem de estarmos abertos a novas culturas, mas também de importarmos gente
aberta à troca.
Talvez para a boa impressão da coletiva tenha contribuído o contraste. O
Flamengo acaba de sair de um treinador que rejeitava qualquer debate sobre
aspectos táticos do jogo em suas entrevistas. É obviamente uma escolha e um
direito de Renato Gaúcho. Mas que limita sua contribuição para o ambiente do
futebol no Brasil.
O caso é que Paulo Sousa deixou, ao mesmo tempo, informações, dúvidas e uma
justificada curiosidade sobre a montagem do time, sobre como pretende
aproveitar o excelente material humano de que dispõe. E para que despertasse
todas essas sensações, não precisou de mais do que uma resposta.
“Temos três avançados (atacantes) muito fortes. Após trabalhar no campo vou
entender melhor a capacidade de cada um. Já usei três avançados e penso em
fazer o mesmo desde o início ou durante os jogos”, disse Sousa, antes de
acrescentar que enxerga em Bruno Henrique “muita capacidade de área, de gol”.
Para ele, Bruno, Gabigol e Pedro são “três jogadores com muita capacidade de
concretizar”, ou seja, de fazer gols.
Ou seja, a resposta confirma uma impressão que seus times anteriores deixavam:
por característica e, claro, qualidade técnica, Pedro deverá ganhar mais
oportunidades. A partir daí, é natural fazermos um exercício: tentar imaginar
uma provável formação, um time base com Pedro incluído.
A imagem acima é apenas uma das possibilidades, não uma conclusão definitiva.
E mostra o Flamengo formado no momento de atacar, ou seja, quando tem a bola
para se estabelecer no campo adversário. É um momento do jogo.
A premissa é que, em praticamente todos os trabalhos anteriores, Sousa fez
seus times atacarem num 3-4-2-1. Há bons motivos para imaginar que, no
Flamengo, esta saída com três homens possa ser com Filipe Luís ao lado dos
dois zagueiros, entre outras coisas porque, nesta altura da carreira e por
suas características, seria surpreendente vê-lo como um ala abrindo campo.
Na dupla de volantes, Thiago Maia pode ganhar força na disputa por um dos dois
lugares, mas é a partir daí que o quebra-cabeças se complica. Para usar Pedro
junto a Gabigol e Bruno Henrique, é natural que um dos quatro homens do
quarteto ofensivo de 2019 seja sacrificado. O que não é definitivo, afinal o
calendário exigirá rotações no time. Mas pela exigência de ter dois alas pelos
lados, abrindo o campo e atacando o lado da área, é possível que Paulo Sousa
use um lateral pela direita e um jogador com característica de atacante pela
esquerda. Inclusive por causa do momento defensivo: seus últimos trabalhos
indicam uma defesa em 4-4-2, com duas linhas de quatro homens. Assim, o
lateral direito se juntaria aos três homens da saída de bola, formando a linha
de quatro. E o atacante que ocupar a ala pela esquerda não é obrigado a
retornar até a linha defensiva após a perda da bola.
Isso indica Éverton Ribeiro fora do time titular? Em alguns jogos, talvez. Mas
por ora tudo é teoria. A temporada é longa e o campo quem pede passagem. Com o
caminhar dos jogos, cada jogador pedirá passagem e mostrará que posição pode
executar. Éverton pode brigar por um lugar por trás do centroavante, por
exemplo. É mais difícil imaginá-lo cobrindo todo o lado direito do campo.
Mas e o "ala" pela esquerda. É possível especular sobre Kenedy, caso se
apresente no melhor de sua forma, ou sobre Michael e Vitinho. Mas também sobre
Bruno Henrique. Porque o seu aproveitamento pelo lado permitiria que Gabigol e
Arrascaeta fossem os dois homens por trás de Pedro. Este desenho manteria o
uruguaio no jogo entre as linhas do adversário, além de permitir a Gabigol a
mobilidade entre o lado direito e o centro do ataque. Sempre foi difícil
adaptar Gabigol e Pedro como dupla, mas agora seria uma tentativa diferente,
num outro sistema, outra ocupação de espaços.
Mas algumas questões se colocam: ao colocar Bruno Henrique aberto, o Flamengo
de Paulo Sousa não perderia sua presença de área, sua imposição no jogo aéreo?
É possível que aconteça, mas as equipes de Paulo Sousa viam, muitas vezes, o
ala liberado para atacar a área ao finalizar as jogadas. O Flamengo construiu
alguns gols com cruzamentos de Gabigol para Bruno Henrique atacar as costas do
lateral adversário. É uma opção.
Acontece que, numa entrevista que concedeu ainda em Portugal, Paulo Sousa
destacou Bruno Henrique ao falar da força do Flamengo pelo “corredor central”.
Ou seja, pode ser um indicativo de uma intenção de colocar o trio de atacantes
mais “por dentro”, ou seja, nas três posições mais próximas da área. Aí, o
leque se abre ainda mais.
Porque assumindo que o português manterá o 3-4-2-1 ofensivo, teria que
escolher um outro nome para a “ala” esquerda. E aí, novamente, viriam os nomes
de Kenedy, Vitinho ou Michael. Mas onde jogaria Arrascaeta? Há duas hipóteses.
Uma, bem ousada, foi levantada por Rui Malheiro, que já trabalhou com Paulo
Sousa, durante recente participação no Seleção Sportv. Ele especulou que o
uruguaio possa jogar na dupla de volantes. Resta saber se a ideia não tiraria
o melhor de um jogador tão influente nos metros finais de campo.
Outra possibilidade é que faça a ala esquerda no hora de atacar, trazendo a
bola para o centro, como de costume. O time poderia até repetir um movimento
comum no time de Jorge Jesus, quando Arrascaeta fazia a diagonal da ponta para
o centro e Bruno Henrique executava movimento inverso.
Isso sem contar que, na seleção polonesa, Paulo Sousa usou um 3-4-1-2, ou
seja, uma dupla de ataque com um meia, uma espécie de "camisa 10" por trás,
numa inversão do triângulo ofensivo. Esta formação, aí sim, tornaria a função
do "10" muito à feição de Arrascaeta, com a dupla Gabigol e Bruno Henrique na
frente. Seria uma opção sem Pedro, por exemplo.
O fato é que, muitas vezes, o time que está na cabeça de uma comissão técnica
para iniciar a temporada raramente é o que termina uma campanha. O
fundamental, como Paulo Sousa também abordou na coletiva, é que o time entenda
o seu modelo. E este é um recado fundamental também para o torcedor. O novo
treinador usa conceitos do chamado jogo posicional, dá atenção especial ao
domínio dos espaços do campo, distâncias entre jogadores, buscando fixar
marcadores, atrair e gerar vantagens para progredir. Então, assim deverá ser
avaliado, e não numa comparação com Jorge Jesus, cujo jogo de mobilidade, por
vezes agrupando jogadores em torno da bola, tinha outra linguagem.
- A amplitude (largura do campo) pode ser dada por extremas ou laterais. O
importante é que o time tenha a compreensão da ocupação dos espaços, em termos
de distâncias, linhas, amplitude e profundidade. A diferença vai ser o
protagonista que vai ocupar cada espaço – disse Sousa. Ou seja, haverá zonas
do campo a ocupar e uma forma de jogar, mas a cada jogo os nomes escolhidos
para pisar cada setor do campo podem mudar.
Como sempre, é um trabalho que exige tempo. Mas Paulo Sousa, em sua primeira
aparição diante dos microfones, já nos ofereceu um bom debate.
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Imagem: Divulgação