Além do nutricionista: pedido de demissão expõe antiga cobrança por remuneração no Flamengo




Por Cahê Mota | GE: Renato Gaúcho pode até ser o alvo principal dos questionamentos, mas o momento conturbado do Flamengo às vésperas da final da Libertadores vai muito além da performance ruim da equipe em campo. E a saída do nutricionista Douglas Oliveira , na quarta-feira, expõe um dos muitos fatores de conflitos no clube nos últimos tempos: a cobrança por melhor remuneração de profissionais.



Não é de hoje que tanto no Ninho do Urubu quanto na Gávea há questionamentos da disparidade entre o orçamento bilionário do clube e os salários que raramente chegam na casa dos dois dígitos líquidos (acima de R$ 10 mil) . O pedido de demissão de um nutricionista seria encarado até com naturalidade em um ambiente profissional, mas fez ecoar pelo Flamengo cobranças por valorização que já resultaram na mesma atitude de outros funcionários e se intensificaram após a famigerada polêmica no pagamento da premiação no dia da final do Mundial de Clubes .

Desde o episódio em Doha, o Flamengo mudou radicalmente a política de recompensa por vitórias e títulos, o que expôs aquele que é visto como grande foco de insatisfação dos profissionais de diversas áreas do clube: a defasagem salarial. No início de 2020, os funcionários, cada um em seu setor, chegaram a fazer um levantamento incluindo clubes das Séries A e B do Brasileirão e identificaram que o atual bicampeão da elite está longe de ser um dos que melhor remunera seus contratados.



A informação fez com que os funcionários se manifestassem internamente por aumento, que, de acordo com a maioria deles, já tinha sido prometido desde o início da gestão Landim e não tinha sido executado. Até então, a recompensa através de bichos na temporada 2019 amenizava o desconforto. Para se ter ideia, durante todo o Brasileirão daquele ano o prêmio era de cerca de R$ 1.000 a R$ 1.200 por cada rodada no G-4, o que muitas vezes triplicava a valor na carteira. Com o corte pós-Mundial, o impacto foi evidente.

Após a virada do ano, os bichos passaram a ser proporcionais ao salário de cada funcionário, o que chegou a gerar situações constrangedoras como o pagamento de R$ 9 (nove reais) por vitória para quem era do escalão mais baixo na campanha do octacampeonato do Brasileirão.



No cenário atual, no entanto, não há mais pagamento de premiação por partidas. Há um valor pré-estabelecido (também proporcional) por título e vice-campeonato, e apenas para quem está lotado no departamento de futebol. Tais situações fizeram o desconforto ser crescente:

- Os dois apenas puxaram a fila. Tem muita gente olhando para fora - disse um funcionário sobre o nutricionista Douglas Oliveira e o fisiologista Lucas Albuquerque.



Ambos trocaram o Flamengo pelo Vilafranquense, que luta contra o rebaixamento na Segunda Divisão de Portugal. Por mais que a diferença salarial não seja das maiores, o combo que inclui a insatisfação com a falta de valorização financeira com o dia a dia no departamento de saúde e rendimento, chefiado por Márcio Tannure, resultou no pedido duplo de demissão em pouco mais de um mês. Do mesmo departamento saiu Fabiano Bastos, em novembro de 2020, para trabalhar no Kashiwa Reysol, no Japão.

Antes das saídas do trio, no segundo semestre do ano passado, o Flamengo executou os aumentos prometidos um ano e meio antes para parte dos funcionários do departamento de futebol. A gratificação, por sua vez, esteve longe de ser a esperada pelos funcionários, que seguiram tendo como base o comparativo com clubes das duas principais divisões do futebol brasileiro.



- Como todo o respeito, não faz sentido Botafogo e Ceará pagarem mais que o Flamengo - desabafou outro profissional.

O contato direto entre funcionários de clubes diferentes tem sido um dos fatores que colaboram para o aumento da insatisfação. É de conhecimento coletivo nos bastidores do Ninho do Urubu, por exemplo, quanto que o Bragantino paga por ponto no Brasileirão, quanto o Cuiabá recompensou sua delegação pelo empate por 0 a 0 no Maracanã e o valor da premiação pago pelo Athletico-PR com a classificação para a final da Copa do Brasil. No Flamengo, não há nada previsto em nenhuma dessas situações, apenas por título e vice-campeonato.



O incômodo é sabido por esferas superiores ao ponto de o tema ser abordado pelo novo gerente de futebol, Fabinho, em seu discurso de apresentação. Funcionários relataram que foi prometido rediscutir o assunto e "brigar pelo bicho de todos". O episódio aconteceu em julho e não houve atualização. No departamento, o diretor executivo Bruno Spindel é o responsável por tratar de premiação e remuneração com outros setores do clube.

Outro ponto em que há argumentação com o exemplo em concorrentes no Brasileirão está nas questões trabalhistas, como o pagamento de horas-extras, diárias e folgas compensatórias em viagens. O expediente passou se tornar padrão para boa parte dos clubes da Série A nos últimos anos, mas não houve alteração no Flamengo.



Com a saída do nutricionista, um substituto ainda não foi apontado e o responsável pela base foi quem auxiliou na atividade de quarta-feira dos profissionais. Este tipo de expediente é outro que gera reclamação internamente. Nas muitas reformulações no departamento nos últimos anos, não foram poucos os casos de funcionários promovidos da base, mas sem reajuste. O próprio Douglas Oliveira substituiu Thiago Monteiro no início de 2020 e ficou mais de um ano sem alteração no salário.

Faltando 23 dias para a final da Libertadores, o Flamengo vive estado de ebulição. A fase ruim da equipe em campo é apenas o que se vê externamente em um clube onde até pedido de demissão de nutricionista gera conflitos e desabafos.


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Imagem: Reprodução

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