Na linguagem atual, a melhor definição seria: não deu "match". E não é de
hoje.
Rogério Ceni completa oito meses no Flamengo no próximo sábado e a percepção
de quem vive os bastidores é de que nunca existiu a chamada "sensação de
pertencimento" ao clube. O relacionamento profissional e muitas vezes frio
ganhou fôlego para ficar mais aquecido depois do título do Brasileirão, mas as
três derrotas nos últimos cinco jogos fizeram crescer um desgaste de parte a
parte no Ninho do Urubu.
O distanciamento no dia a dia do centro de treinamento é relatado com
adjetivos que vão de introspectivo a depressivo por quem sente Rogério Ceni
com o convívio cada vez mais restrito a seus pares de comissão técnica e
poucos funcionários que conseguiram quebrar a seriedade habitual. Há ainda
quem veja o treinador com uma postura defensiva diante do que considera falta
de respaldo da diretoria.
Não foram poucas as vezes em que Ceni pediu reforços ao vice de futebol,
Marcos Braz, e Bruno Spindel, diretor executivo, e ouviu justificativas de
falta de orçamento ou pedidos de paciência. Após o Carioca, com a iminente
saída de Gerson e os muitos desfalques por convocação, o treinador chegou a
apresentar alternativas mais baratas e imediatas no mercado doméstico, mas não
foi atendido.
O cenário incomodou o comandante, que vê o elenco desequilibrado e com poucas
opções diante das ausências pela Copa América. O silêncio da diretoria perante
os muitos questionamentos externos é outro fator que não deixa Ceni
confortável, e a percepção de exposição ficou ainda mais forte com a falta de
posicionamento dos superiores na sequência de atos que considera indisciplina
ultimamente.
Gabigol, Gerson, Bruno Henrique, Pedro e Michael reclamaram publicamente de
substituições e não foram repreendidos internamente. Ceni vê sua autoridade
desafiada sem qualquer tipo de reação de Braz e Spindel.
Fatores que só intensificam o comportamento retraído do treinador no dia a dia
do CT. Não foram poucas as vezes em que lideranças do elenco fizeram valer a
voz ativa para elevar o astral em um ambiente de lamentação de Rogério diante
de problemas do cotidiano:
- Nunca nada está bom! - desabafou certa vez um dos atletas em debate interno.
Relatos dão conta de cenários de terra arrasada após derrotas como a do último
domingo para o Fluminense. O silêncio sepulcral que toma conta do vestiário
carrega ainda mais um ambiente que está longe de ser leve ultimamente.
O elogiado repertório de treinamentos conflita com a falta de respostas e
incômodo diante de questionamentos dos jogadores dos motivos que levam a
determinadas decisões táticas. Há relatos de que nos vídeos pós-jogos há mais
apontamento de erros do que apresentação de soluções.
Episódios específicos colocaram a autonomia de Rogério em xeque. Após a
vitória sobre o Palmeiras, na primeira rodada do Brasileirão, o elenco ganhou
dois dias de folga e na volta o treinador manifestou o desejo de treinamentos
em período integral por conta da brecha de dez dias no calendário. Os
jogadores rebateram, pediram argumentos para tal e perguntaram se havia
deficiência na parte física que justificasse a medida. A veemência do
posicionamento e o respaldo da fisiologia fizeram com que a ideia fosse
abortada.
Jogadores menos badalados reclamam pelos cantos também da diferença de
tratamento em comparação ao diálogo aberto com os mais experientes. A sensação
é de falta de isonomia na gestão de elenco, o que é corroborado por
funcionários que apontam distanciamento de Ceni nesses quase oito meses de
clube.
Decisões recentes tomaram proporções exageradas nos bastidores por conta do
afastamento gradativo de Rogério na rotina do Ninho. O convite a Márcio Torres
para se tornar auxiliar permanente no profissional não foi bem digerido pela
condução. Ceni pediu diretamente a Bruno Spindel que promovesse o profissional
da base, enquanto Maurício Souza, treinador titular no Sub-20, tinha o nome
debatido por outras correntes.
O mesmo valeu para a convocação de Ramon para a partida contra o Fluminense,
em São Paulo. O lateral-esquerdo já estava em Goiânia para compromisso pelo
Sub-20, foi chamado às pressas, mas chegou a correr risco de ficar fora até
mesmo no banco de reservas por opção. Diretores acharam desnecessária a
logística e o desfalque na partida em Goiás.
Episódios que passariam batido em um ambiente harmônico, mas que causaram
burburinho.
Por fim, a dificuldade de leitura de jogo durante as partidas somada a
escolhas para as substituições também tiveram os questionamentos
intensificados. Thiago Maia, por exemplo, treinou como ponta direita em boa
parte das atividades após ficar à disposição e não foi utilizado no setor.
Além disso, há desconforto com a percepção de que a insistência com jogadores
mais badalados é maior do que a habitual, enquanto outros se sentem expostos
em entrevistas.
Com a proximidade das oitavas de final da Libertadores e da Copa do Brasil, a
diretoria se vê no conflito que acompanhou a troca de Dome pelo próprio Ceni a
esta altura da temporada em 2020. Se a performance não agrada e o
relacionamento está desgastado, a falta de convicção na mudança dá sobrevida
ao treinador, que aposta nas voltas de Arrascaeta, Everton Ribeiro e Gabigol
por tempos de paz.
Quarta-feira, às 19h (de Brasília), no Mineirão, o uruguaio já estará à
disposição, e o Flamengo mede forças com o Atlético-MG, pela décima rodada do
Brasileirão.
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Fonte: https://ge.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/falta-de-sintonia-mina-relacao-e-rogerio-ceni-vive-desgaste-crescente-no-flamengo.ghtml
Imagem: Marcos Ribolli / ge
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