Por Martín Fernandez e Rodrigo Capelo | GE: Treze dias depois de terem marchado até a sede da CBF para anunciar que
criarão uma liga para organizar o Campeonato Brasileiro, dirigentes avançam
para tirar a ideia do papel. Representantes dos 40 clubes das Séries A e B se
reuniram nesta segunda-feira em um hotel em São Paulo – 36 presencialmente, 4
por vídeo – e ouviram propostas de três grupos interessados em participar da
operação do bloco.
Um dos grupos é liderado pelo advogado Flavio Zveiter e por Ricardo Fort,
ex-executivo da Coca-Cola; outro é coordenado pela consultoria KPMG; e um
terceiro é organizado pela empresa Livemode.
O ge ouviu pessoas que estiveram na reunião e obteve detalhes sobre as
propostas de Zveiter e KPMG. Procuradas pela reportagem, nenhuma das partes
quis se pronunciar publicamente sobre a concorrência.
Os projetos têm finalidades semelhantes, mas com estruturas diferentes. Ambos
prometem a captação de valores de alguns bilhões de reais para refinanciamento
das dívidas dos clubes e uma reconfiguração do Campeonato Brasileiro e da
Série B, além da criação de novas receitas.
Também houve uma apresentação de um representante da consultoria americana
McKinsey no Brasil. Ele compartilhou ideias colhidas em outros mercados nos
quais a empresa atua – e que contam com ligas há mais tempo. Mas a empresa não
pretende assumir a operação da liga.
Cada "candidato" teve 40 minutos para apresentar propostas. Zveiter encerrou
em 33 minutos, em tempo para responder a perguntas de dirigentes. Um deles
perguntou se os clubes precisariam deixar de ser associações civis para virar
empresas. O advogado disse que não.
O grupo foi perguntado se pretendia apenas assessorar os clubes na formação de
uma liga ou efetivamente participar da operação. O advogado respondeu que a
ideia é "colocar a mão na massa".
A KPMG estendeu a apresentação e não chegou a reservar tanto tempo para
questões. A empresa tinha na plateia alguns de seus clientes – Corinthians e
Vasco falam abertamente que contrataram sua consultoria, enquanto outros
seguem a confidencialidade. Não quer dizer que esses clubes tenham lado
pré-definido na "concorrência".
Os projetos não foram formulados agora. Eles vêm sendo trabalhados há cerca de
um ano. Zveiter e KPMG chegaram a se reunir com dirigentes, individualmente,
para apresentar ideias. Quando os cartolas tomaram a decisão de anunciar a
criação da liga, o processo acelerou, e ambos tiveram apenas de adaptar
apresentações.
A premissa
Clubes pretendem assumir a organização do Campeonato Brasileiro e da Série B.
À luz do que acontece nas principais ligas europeias, a federação nacional, a
CBF, continuaria administrando a seleção brasileira e outras competições
nacionais: Copa do Brasil, Série C e Série D.
Diferente de tentativas passadas de formação da liga, em que dirigentes
amadores foram nomeados para o comando, e só então profissionais foram
buscados por eles para cuidar do operacional, desta vez grupos de executivos e
advogados se adiantaram para oferecer o serviço.
Em linhas gerais, há mais semelhanças do que diferenças entre os projetos.
Ambos partem da premissa de que o futebol brasileiro está exageradamente
endividado e subdimensionado em suas receitas – ou seja, poderia ter um
faturamento muito maior do que o atual.
A solução aventada é a centralização de direitos comerciais e de transmissão
num bloco, que conseguiria multiplicar as receitas. Isso inclui direitos de
transmissão nacionais e internacionais e patrocínios vinculados às
competições, como placas e naming rights.
Para reduzir consideravelmente o nível de endividamento, ambos os grupos
procuraram fundos de investimento, a fim de descobrir se eles colocariam
dinheiro no futebol brasileiro. Esses investidores se tornariam sócios dos
clubes e lucrariam no longo prazo. As respostas os deixaram animados. Falta
avançar com os cartolas na fundação da liga.
As estruturas
Ainda que sigam pressupostos parecidos para a idealização da liga brasileira,
o grupo de Flavio Zveiter e os parceiros da KPMG têm estruturas e números
diferentes em suas propostas.
Zveiter propõe a abertura de uma sociedade anônima, uma empresa, da qual todos
os clubes se tornariam sócios. Eles não precisariam deixar de ser associações
civis sem fins lucrativos; apenas passariam a ser proprietários de um
percentual desta S/A que administraria a liga.
A KPMG tem outra ideia. Na proposta dela, os clubes fariam parte de um
consórcio – quando duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, firmam um
contrato com obrigações e deveres comuns. Não chega a ser uma sociedade,
juridicamente falando, mas uma união de esforços.
Esta figura detém um CNPJ e pode ter funcionários empregados diretamente por
ela, mas não recolhe impostos típicos de uma companhia – como Imposto de
Renda, PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS.
Em ambos os casos, os clubes entregariam seus ativos para que pudessem ser
explorados coletivamente. Patrocínios de uniformes e transferências de atletas
dificilmente farão parte do pacote. A decisão caberá, em ambas propostas, aos
dirigentes. Os profissionais oferecem suporte para que as direções sejam
escolhidas com maior precisão.
No caso do consórcio proposto pela KPMG, o negócio funciona com um prazo
pré-estabelecido: um período entre 20 e 30 anos, também a ser definido pelos
cartolas. Nesse meio tempo, os clubes dividiriam direitos e deveres. Depois
dele, a estrutura poderia ser renovada ou desmontada.
As duas opções foram formuladas de maneira a facilitar a entrada de
investidores. Zveiter afirmou aos dirigentes que parte da S/A da liga poderá
ser vendida a fundos de investimento, enquanto representantes da KPMG disseram
que fundos poderão comprar parte do consórcio.
De onde viria o dinheiro
Na reunião, números foram apresentados aos dirigentes. Flavio Zveiter estima
que será possível captar com investidores US$ 750 milhões para a liga – no
câmbio atual, equivalem a cerca de R$ 3,7 bilhões.
A KPMG foi um pouco mais conservadora na projeção. Seus representantes
afirmaram aos cartolas que a captação com fundos de investimento deverá ficar
entre R$ 1,5 bilhão e R$ 3 bilhões.
Ambos miram fundos especializados em "private equity" – termo que o mercado
usa para designar empresas estabelecidas e com capital fechado, ou seja, que
não estão listadas em Bolsas de Valores.
Esses fundos aportariam dinheiro na liga para comprar parte dela. A lógica se
aplica tanto à S/A quanto ao consórcio. Eles se tornariam sócios e passariam a
ter direito a um percentual sobre as receitas futuras dos clubes. No longo
prazo, recuperariam o investimento e lucrariam.
Aos clubes, a vantagem seria o recebimento imediato dessas cifras. Bilhões de
reais, divididos entre os integrantes da liga, permitiriam que dirigentes
pagassem dívidas. A desvantagem é que eles perderiam receitas futuras, que
seriam redirecionadas aos investidores.
É por isso que esses profissionais, além de prometer a captação do
investimento no mercado, insistem na promessa de aumentar receitas. Se o
futebol brasileiro continuar com o tamanho que tem, a entrada de
intermediários só tiraria dinheiro dos clubes. A torta precisa aumentar para
que os pedaços fiquem mais generosos para todos que a comem.
A distribuição da grana
A KPMG entende que a divisão do dinheiro é um assunto a ser tratado depois.
Primeiro os dirigentes precisam fundar a liga, escolher o operador e cuidar de
questões jurídicas, depois definirão a distribuição tanto do investimento
inicial, quanto das receitas operacionais.
O grupo de Flavio Zveiter já mostrou a dirigentes algumas simulações de como
os recursos seriam divididos. São apenas proposições. As decisões serão dos
cartolas que aderirem à liga, enquanto aos profissionais caberá fazer
recomendações e executar os formatos definidos.
Quanto à captação inicial, as "luvas", o dinheiro seria distribuído
assim:
81,5% para a Série A
18,5% para a Série B
Nas divisões em si, a distribuição ainda não está definida. Fatores como
desempenho esportivo e tamanho de torcida devem ser levados em consideração
para determinar os percentuais de cada clube.
Essas luvas cumprem três papéis. Ao mesmo tempo em que o aporte permite aos
clubes o refinanciamento de dívidas, o negócio como um todo fica mais seguro
para os investidores, que não querem ter "sócios" endividados e constantemente
penhorados, e este dinheiro ainda serve de estímulo para que os cartolas sigam
com o projeto da liga.
Nas receitas operacionais, a distribuição seria a seguinte:
Televisão aberta e fechada
50% iguais para todos os clubes da divisão
50% condicionados à posição na tabela
Pay-per-view
70% condicionados à quantidade de assinantes
30% iguais para todos os clubes da divisão
Internacional
40% iguais para todos os clubes da divisão
30% condicionados à posição na tabela
30% de acordo com "fama" (medida por pesquisa)
Nos patrocínios, as receitas seriam divididas de maneira totalmente
igualitária, ou seja, 100% iguais para todos os clubes da divisão. A principal
propriedade comercial seriam as placas de publicidade nos arredores do campo,
que seriam uniformizadas e reduzidas em quantidade, para que o futebol tenha
um aspecto mais agradável.
O dinheiro da primeira divisão também seria usado para financiar o futebol
feminino com 2% de suas receitas. Logicamente, valores e percentuais dependem
da concordância de todos os dirigentes.
Por último, é necessário lembrar que os percentuais acima se referem à
"receita líquida", isto é, o valor arrecadado depois de duas deduções: (a) uma
taxa de administração para custear a liga e seus profissionais contratados e
(b) o percentual a ser repassado para investidores.
A reconfiguração dos campeonatos
A principal razão dessa união entre clubes é a maximização de receitas. Não
fará sentido inserir um operador para a liga e um "sócio" (o fundo de
investimentos), se o faturamento atual não for multiplicado em algumas vezes.
Para que todos ganhem mais do que já têm hoje.
A partir daí, os grupos de executivos têm discursos que apontam para direções
diferentes, não necessariamente conflitantes.
A KPMG encontra apoio na Dream Factory. A empresa tem duas décadas de atuação
em marketing e promoção de eventos – o mais famoso deles, o Rock in Rio. Eles
propõem que jogos sejam repaginados para que tenham maior apelo com público e
mercado publicitário.
A proposta também é a da diversificação de receitas. Em vez de continuar
dependente do "grande cheque" da Globo – palavras que os representantes da
agência usaram ao defender o projeto –, o futebol precisa que novas fontes de
receita sejam encontradas e expandidas, coletivamente, inclusive em meios
digitais e criptoativos.
KPMG e Dream Factory não entram em pautas controversas, como reforma de
calendário ou organização dos campeonatos. Esta é uma diferença em relação ao
grupo de Flavio Zveiter
Tendo como principal idealizador nesta área o executivo Ricardo Fort, que foi
vice-presidente global de patrocínios e eventos da Coca-Cola, depois de uma
passagem por cargo similar na Visa também na esfera global, a turma de Zveiter
tem sugestões para reconfigurar o futebol.
Campeonato Brasileiro e Série B passariam a ser disputados primordialmente aos
fins de semana – de preferência, primeira divisão aos domingos e segunda aos
sábados. Copa do Brasil e Libertadores ocupariam os meios de semana, como
geralmente já acontece.
Também faz parte do plano ter uma pausa no meio da temporada, possivelmente em
julho, para que clubes brasileiros possam fazer excursões e amistosos
internacionais. Este é o período em que europeus estão em pré-temporada e
abertos para partidas amistosas.
Na primeira divisão, a quantidade de rebaixados e promovidos seria reduzida.
Em vez de quatro, seriam apenas três. Sendo que primeiro e segundo colocados
na Série B subiriam automaticamente, enquanto terceiro e quarto disputariam a
última vaga em um playoff.
Campeonatos estaduais não precisariam ser extintos; passariam a ser disputados
por equipes sub-20 – pelo menos entre participantes da liga.
A reformulação do calendário tende impor grande resistência à liga por parte
de dirigentes de federações estaduais. Eles se apropriam de parte das receitas
com direitos de transmissão dos campeonatos estaduais, além de ficar com o
dinheiro de patrocínios. A desvalorização de seus produtos afetaria
diretamente as finanças das federações.
Quem são os profissionais
O projeto liderado por Flavio Zveiter tem a participação de alguns executivos
brasileiros, como Ricardo Fort e Lawrence Magrath, e a consultoria de
estrangeiros. Inclusive, participaram virtualmente da reunião com dirigentes
Rick Parry, ex-chefe da Premier League (Inglaterra), e Paolo Dal Pino, atual
presidente da Lega Serie A (Itália).
Esses são os nomes que assinam o projeto:
- Flavio Zveiter, membro da Fifa e ex-STJD
- Ricardo Fort, ex-Coca-Cola e ex-Visa
- Lawrence Magrath, ex-Fluminense e ex-AEG
- Charlie Stillitano, Relevent Sports Group
- Christian Unger, Fifa e ex-IMG
- Martin Davis, Live Nation
- Rick Parry, ex-Liverpool e ex-Premier League
- Scott Guglielmino, ESPN
O projeto apresentado pela KPMG tem a coordenação da multinacional, com
atuação em consultoria e conhecimento na área financeira, e a participação de
empresas específicas para cada uma dessas áreas: jurídica, marketing e gestão
fiduciária (necessária para que o consórcio seja operado de maneira
transparente e conforme as leis brasileiras).
Esses são os nomes que assinam o projeto:
- Marco André Almeida, KPMG Brasil
- Francisco Clemente, KPMG Brasil
- Pedro Trengrouse, TGA Advogados
- Vantuil Gonçalves, TGA Advogados
- Eduardo Rudge, Accendo
- Duda Magalhães, Dream Factory
- Rafael Plastina, Dream Factory
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Fonte: https://ge.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/post/2021/06/29/clubes-ouvem-propostas-de-empresas-para-liga-promessas-de-aporte-de-r-3-bilhoes-direitos-centralizados-e-novo-brasileirao.ghtml
Imagem: Infoesporte