Clubes mundo afora, dos mais riscos aos mais endividados, buscam formas de
amenizar os danos financeiros causados pela pandemia do novo coronavírus. No
Brasil, até mesmo o atual bicampeão nacional Flamengo sofre com a ausência de
sua torcida nos estádios, a fuga de patrocínios e também a desvalorização do
Campeonato Carioca. O cenário caótico é alvo de críticas de parte dos
rubro-negros, mas a direção garante trabalhar com responsabilidade e visando o
futuro. Reportagem de VEJA desta semana detalhou as tendências do mercado de
transmissões esportivas, com destaque para as negociações entre Amazon e
Disney com grandes ligas como a NFL, e também para a iniciativa da FlaTv+, o
novo canal de streaming do Flamengo.
Gustavo Oliveira, vice-presidente de marketing do Flamengo falou a VEJA sobre
as estratégias do clube. Ele negou qualquer animosidade com a TV Globo, a
“maior parceira do futebol nacional e também do Flamengo”, e se disse
satisfeito com os novos acordos para o Estadual — transmitido em TV aberta
pela Record e via pay-per-view do Carioca nas operadoras Claro, Sky e Vivo e
também nos aplicativos dos clubes, como a FlaTV+, cujo pacote completo custa
129,90 reais.
O dirigente comentou as críticas que seu departamento vem recebendo e citou
entraves tecnológicos e culturais que atrasam a popularização das novas
plataformas. “É um processo de aprendizado, para nós e para os torcedores, mas
é um caminho sem volta”, explica. “O modelo tradicional de TV aberta funcionou
e ainda funciona bem para o Brasil, mas não acreditamos que seja o modelo do
futuro. Queremos estar preparados para tudo.” Gustavo Oliveira também detalhou
as dificuldades para negociar novos patrocinadores — há quatro espaços vagos
no uniforme — e detalhou qual o cenário que projeta para os próximos anos.
Confira a entrevista, na íntegra:
Como avalia o cenário das transmissões esportivas e o crescimento dos
serviços de streaming como a FlaTV+?
Fora do Brasil, a Amazon, Disney e outros players estão fazendo movimentações
realmente grandes. Nós ainda estamos engatinhando, mas nossos movimentos visam
o futuro, o plano é exatamente estar preparado para entrar nesse jogo. É
plantar para colher daqui uns anos, embora já estejamos ganhando um bom
dinheiro com a implantação da FlaTv e FlaTV+.
Trata-se, então, de uma espécie de “laboratório”?
É um laboratório que já dá dinheiro. Estamos investindo muito neste projeto,
que ainda não é tão reconhecido. É um processo de aprendizado importante e de
posicionamento para o futuro. Pensamos o Flamengo não só para a nossa
administração, é algo para os próximos cinco ou dez anos. O modelo tradicional
de TV aberta funcionou e ainda funciona bem para o Brasil, mas não acreditamos
que seja o modelo do futuro. Queremos estar preparados para tudo.
Talvez alguns torcedores ainda tenham dúvidas: quais as diferenças entre a
FlaTV e a FlaTV+?
A FlaTV é nosso canal no Youtube, de graça, com mais 6 milhões de seguidores,
só atrás de Barcelona e Real Madrid entre os clubes de futebol, e
aproximadamente 150 programas por mês. Ali, monetizamos diretamente com
anunciantes. Já a FlaTV+ é um aplicativo pago que não terá só a transmissão
dos jogo. Esse foi um processo acelerado no Campeonato Carioca, uma
oportunidade que apareceu, mas o conceito a curto e médio prazo é fazer uma
grande rede de assinatura. A FlaTV+ terá conteúdos premium, exibição de
treinos, bastidores exclusivos e eventualmente jogos de futebol e outros
esportes. Numa comparação mais simples, é como se a FlaTV fosse a Globo e a
FlaTV+ mais o GloboPlay. Se a gente cobrar, por exemplo, 10 reais, imaginando
uns 200.000 clientes, teremos 24 milhões de reais por ano, um número bem
representativo para o futebol. A FlaTV+ será o canal do torcedor mais
fanático, este é o conceito que estamos desenvolvendo, mas é um processo.
Quantos assinantes a FlaTV+ já tem?
Não gostaria de abrir isso agora, mas é um número bastante razoável, estamos
muito contentes com o resultado. E além do valor da FlaTV+, que fica 100%
conosco, recebemos dinheiro também das operadoras de TV a cabo, cerca de 50%
do pay-per-view do Carioca.
Nas redes sociais, muitos torcedores reclamam que não conseguem assistir
aos jogos. A que se deve isso?
Há muitas dificuldades, como as questões tecnológicas, fila virtual, ataque
hacker. Há também questões culturais, leva tempo. É um processo de
aprendizado, para nós e para os torcedores, mas é um caminho sem volta. O
clube tem que ter plantel bom, boa estrutura, e também valorizar sua marca e
seu conteúdo.
O brasileiro ainda não está pronto para ver futebol fora da TV aberta?
Há uma confusão grande em relação a isso. O jogo em TV aberta passa como
sempre foi, mas agora na Record. A Globo nunca transmitiu todos os jogos do
campeonato, era um jogo de quarte e outro de domingo, e o resto ia para o
Premiere, para lucrar com pay-per-view, geralmente os melhores jogos iam para
lá. Hoje é a mesma coisa, mas é que diante deste novo cenário algumas pessoas
não entenderam que passou da Globo pra Record e do Premiere para outras
plataformas. E há outra confusão ao comparar preços, pois a pessoa não paga só
o Premiere, é o pay-per-view mais a TV a cabo. Com a FlaTV+ ele pode comprar
só o aplicativo. Há até mais oportunidades de se ver os jogos hoje. Existe
ainda uma dificuldade na divulgação, pois fechamos tudo dias antes de começar
o campeonato, o público estava acostumado com futebol na TV de quarta e
domingo e agora é terça e sábado… demora um pouco a acostumar.
A proliferação de sites piratas também atrapalha este processo?
Muito, mas o Campeonato Carioca está fazendo um trabalho especial para
derrubar esses links, há uma equipe dedicada a combater a pirataria, um acordo
com Google, Facebook, operadoras de TV a cabo, mas não é fácil. A pirataria é
um problema grave, é impressionante, faz um mal enorme para toda a indústria.
Tem gente que acha normal, mas é um crime. Tem torcedor que sai espalhando
link pirata e nem percebe o quanto isso prejudica o próprio clube pelo qual
ele torce.
Como está a relação do Flamengo com a Globo?
A Globo é a maior parceira do futebol brasileiro e também do Flamengo, apesar
de termos um grau de dependência menor do que outros times, pois ampliamos
nossas fontes de renda. Temos ótimo relacionamento com a Globo, um contrato
excelente com eles para o Brasileirão, vigente até 2024. O que acontece é que
ano passado, tivemos uma decisão estratégica de valorizar nosso conteúdo e, no
caso do Campeonato Carioca, o Flamengo representava 70% do pay-per-view, dava
o dobro de audiência, mas recebia o mesmo que os outros clubes grandes.
Achávamos que merecíamos receber mais, a Globo não concordou e tudo bem, o
contrato não foi renovado. Buscamos então outras alternativas como a FlaTV,
conseguimos alguma receita, que evidentemente não igualou os 18 milhões, mas
serviu de aprendizado nesta valorização de conteúdo e o movimento foi
crescendo, inclusive em outros clubes.
O quanto a pandemia atrapalhou os planos financeiros do Flamengo?
Trabalhamos com um processo de responsabilidade financeira desde a entrada da
nossa gestão em 2013 e, baseado nisso, estamos buscando todos os caminhos para
passar pela pandemia. Em 2019, ganhamos 110 milhões de reais de bilheteria. Em
2020, tivemos pouco mais de 20 milhões. Perdemos bilheteria, sócio-torcedor,
patrocinador, fora a confusão logística, se joga ou não joga. É muito duro
para nós e para todos os times. Temos muita receita, mas também muita despesa,
é um time caro. Mas de maneira geral estamos conseguindo passar por isso.
Diante de toda essa crise, os 18 milhões que recebiam da Globo pelo
Estadual não estão fazendo falta?
Não dá para dizer. Ano passado teria entrado esse dinheiro, mas não tenho
certeza se a Globo manteria os mesmos moldes do Estadual para 2021. Para você
ter uma ideia, a Globo fez uma nova proposta esse ano: no total, baixou de 125
milhões para 45 milhões, sendo que só 5 milhões ficariam para o Flamengo. Não
concordamos, os outros times também não, e buscamos um modelo diferenciado.
Como imagina o cenário ideal para as transmissões de futebol?
As coisas estão mudando com muita rapidez, é difícil prever. O que eu
gostaria: que houvesse grandes players disputando o conteúdo do futebol
brasileiro. A NFL está muito valorizada porque tem muita gente disputando:
Facebook, Amazon, as emissoras de TV aberta e fechada, todo mundo brigando por
aquele conteúdo. Guardadas as proporções, esse seria o nosso cenário sonhado,
ter diversos players disputando o Brasileirão e eventualmente fatiando. Esse
conceito é bastante razoável e dá bastante dinheiro lá fora. É o que já está
acontecendo com a Libertadores, no SBT, Fox e Facebook.
Mas lá fora os clubes não transmitem seus próprios jogos de forma
independente…
Mas essa foi só uma oportunidade de mercado, quisemos abrir o leque para
diversas alternativas e volto a dizer: isso não é um problema, não estamos
perdendo dinheiro com isso e aprendendo muito com o processo.
A Libertadores deu audiências ótimas para os padrões do SBT, mas bem menos
do que a Globo registrava. Os patrocinadores do Flamengo não ficam
incomodados?
É obvio que todos querem estar na Globo, mas não existe só ela. Hoje os
conteúdos estão em todas as redes sociais e isso, de certa forma, complementa
essa ausência. Hoje eu cobro X do patrocinador não só pela presença na TV, mas
nos sites, jornais, YouTube, no Facebook, tem um mix de mídia. E o jogo passa
no SBT ou na Record, mas a Globo também cobre, né, passa no noticiário dela.
Hoje quando vou negociar um patrocinador, consigo cobrar mais porque não
entrego só a marca no uniforme, mas todo o engajamento por trás disso. Todas
as nossas redes sociais são superavitárias, consideramos como um patrocinador
a mais.
Nas redes sociais, alguns torcedores reclamam da falta de novos
patrocinadores e até pedem a sua demissão. Como avalia esta crítica?
Não acompanho o que falam de mim, mas a cornetagem faz parte. Veja só, o
patrocínio do Flamengo cresceu 15% de 2019 para 2020. Há quatro espaços em
branco, é verdade. Mas isso ocorreu a partir de março, com a pandemia. A MRV
saiu porque ela quer concentrar tudo no projeto do Atlético Mineiro, algo
normal. Ano passado, mesmo com a pandemia, nós fizemos um negócio excepcional,
que é o Banco Nação BRB, um patrimônio que construímos que nos garante um fixo
de faturamento e mais uma verba maior no futuro. Tem gente que fala que o BRB
é político… o Flamengo é a maior plataforma de esporte do Brasil, uma das
maiores do mundo. As ações do banco subiram demais depois do acordo.
Mas o clube está à procura de novos parceiros…
Sim, temos quatro lugares vagos: a meia, o calção, as costas e a manga.
Tínhamos um bom acordo de calção, mas a empresa deixou de pagar três meses,
por isso cortamos. Nossos patrocínios estão muito valorizados. Temos propostas
que 95% dos clubes brasileiros aceitariam, mas eu não posso vender um espaço
maior por menos do que os meus atuais patrocinadores pagam. Temos de ter muito
cuidado, a pandemia afetou o mercado, mas em breve vamos anunciar um acordo
muito interessante.
É ruim para o Flamengo que rivais estaduais como Vasco e Botafogo estejam
em crise?
Claro, gostaríamos que nossos coirmãos estivessem em uma situação melhor. Mas
é preciso lembrar que em 2013 o Flamengo devia 750 milhões de reais e fez um
dever de casa duro. Muita gente sacaneava nosso time. A estratégia era ficar
alguns anos sem ganhar nada para colher os frutos na frente. Ainda ganhamos
uma Copa do Brasil, que foi ótimo. Claro que o cenário de pandemia torna tudo
mais difícil, mas acho que esse é o caminho. Agora, é claro que é ruim para
todo o futebol carioca ver o Vasco e o Botafogo na Série B. Mas são clubes
muito grandes e tenho certeza que têm condições de voltar fortes.
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Fonte: https://veja.abril.com.br/placar/flatv-globo-e-patrocinios-os-planos-do-marketing-do-flamengo/
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