Um dispositivo no estatuto do Flamengo inicialmente destinado a combater
gestão temerária vem causando discussão nos bastidores do clube nos últimos
dias. De acordo com o artigo 146, o Conselho Diretor do clube perde
automaticamente sua autonomia para celebrar contratos, caso seja comprovado
prejuízo 3% superior ao faturamento previsto no orçamento, o que foi
registrado no balanço de 2020, publicado em março.
O déficit é reflexo de uma situação de exceção: a perda de receita por conta
da pandemia de Covid-19. Porém, não há exceção prevista no estatuto. Desta
forma, qualquer novo contrato, sem valor mínimo, incluindo serviços
terceirizados, precisa neste momento passar pelo Conselho de Administração.
Não foi o caso do patrocínio pontual com a Amazon, por exemplo. Em condições
normais, o contrato, de cerca de R$ 1 milhão, não precisaria ser apreciado
pelo CoAd, que só analisa acordos com valor superior a R$ 2,7 milhões. Mas,
diante do cenário, no rigor do estatuto, seria necessário desta vez.
O assunto está em análise pelo Conselho Fiscal do clube. De acordo com
conselheiros ouvidos pelo ge, chegou a ser esboçado um primeiro parecer com
posição forte por descumprimento da norma. Mas há quem pondere que, por não
haver gestão temerária, outras questões como a pandemia precisam ser levadas
em conta. Não há ainda, portanto, uma versão final para ser encaminhada aos
demais poderes da Gávea.
O Flamengo, questionado, emitiu uma nota afirmando que "qualquer divulgação
antecipada desta análise é especulativa". De fato, o assunto está em aberto e
o caminho a ser seguido, ao que tudo indica, será decidido pelo plenário do
Conselho Deliberativo, que terá a palavra final.
Prejuízo ultrapassou o previsto em readequação do orçamento
O prejuízo contábil rubro-negro em 2020 foi de R$ 106 milhões – o previsto na
readequação feita em setembro de 2020 era de R$ 23 milhões. O balanço
referente a este período foi publicado em 31 de março.
A situação gera debate, inclusive, no Conselho Fiscal. O órgão ainda não
publicou seu parecer sobre as contas de 2020, mas há o entendimento de que não
houve gestão temerária. Ainda assim, existe a expectativa quanto ao teor do
documento e o que isso pode influenciar na aprovação do balanço pelo Conselho
Deliberativo.
Não há, por exemplo, consenso sobre o momento em que essa autonomia foi
perdida: na visão de alguns conselheiros que analisam o tema, isso ocorre a
partir da publicação do balanço de 2020, ocorrido em 31 de março.
Outros defendem que a autonomia teria sido perdida antes, a partir de outubro,
o que aumentaria o escopo de contratos que deveriam ter sido analisados, como
a renovação de Diego Alves ou mesmo a contratação de Pedro.
O artigo 146 foi incluído no estatuto do Flamengo em abril de 2015, ainda na
gestão do presidente Eduardo Bandeira de Mello, numa emenda conhecida como Lei
de Responsabilidade Rubro-Negra. Entretanto, não há qualquer previsão no
documento de punição ou notificação caso a cláusula seja acionada.
Posicionamento da diretoria do Flamengo
Procurada pela reportagem, a diretoria ressaltou que as contas ainda estão
sendo analisadas pelo Conselho Fiscal:
"A diretoria do Clube de Regatas do Flamengo esclarece que as demonstrações
financeiras e o balanço de 2020 estão, neste momento, sob análise final do
Conselho Fiscal. Posteriormente, as contas serão submetidas ao Conselho
Deliberativo. Qualquer divulgação antecipada desta análise é especulativa e
não pode ser considerada verdadeira."
Leia o artigo 146 do estatuto:
Fica automaticamente suspensa a autonomia do Conselho Diretor para celebrar
acordos e contratos, inclusive empréstimos e antecipação de receitas, mesmo
nos limites aprovados no orçamento de caixa, se:
I - a proposta de orçamento anual não for entregue ao Conselho de
Administração no prazo previsto no artigo 140 deste Estatuto;
II - houver atraso superior a trinta dias no envio dos balancetes mensais
para apreciação do Conselho Fiscal;
III - comprovado, por meio dos balancetes trimestrais, que no resultado
acumulado do exercício corrente, o superávit é inferior, ou o déficit
superior, em três por cento do faturamento previsto no orçamento
aprovado;
IV - comprovado que o percentual excedente ao limite de despesa total
mensal com pessoal, estipulado no inciso VIII do artigo 145 deste Estatuto,
não foi eliminado nos cento e oitenta dias posteriores à ciência do fato.
Parágrafo único. A perda de autonomia de que trata o caput deste artigo
implica a necessidade de prévia aprovação de todos os acordos, contratos,
empréstimos e antecipações de receita pelo plenário do Conselho de
Administração, enquanto perdurarem as irregularidades referidas nos incisos
anteriores.
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Fonte: https://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/prejuizo-com-pandemia-em-2020-ameaca-autonomia-de-diretoria-do-flamengo-para-assinatura-de-contratos.ghtml
Imagem: Marcelo Cortes
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