Por Igor Siqueira e Rodrigo Mattos | Uol: Na estratégia do Flamengo de internacionalização e crescimento de receitas em
moeda estrangeira está o foco na compra de um clube no exterior. Entre
oportunidades e projeções de futuro, o nome que saiu do funil feito pela
diretoria rubro-negra foi o Tondela.
O clube disputa a primeira divisão de Portugal pela sexta temporada seguida e,
desde que chegou à elite, não foi rebaixado. O Tondela nunca ficou na metade
de cima da tabela, tem atualmente pretensões modestas no cenário nacional, mas
o Flamengo viu nele o caminho mais viável para entrar no mercado europeu.
"O Tondela é um clube ambicioso e que está se organizando para alçar voos
maiores. Acredito que com muito trabalho, organização e consistência o clube
pode sim se tornar um dos grandes de Portugal. Não é uma tarefa fácil, mas
sinto que o clube está no caminho certo", disse ao UOL o atacante Daniel dos
Anjos, que passou pela base do Flamengo em 2016 e agora defende o Tondela.
Se os planos rubro-negros derem certo em termos de captação de recursos e
fechamento do negócio, a meta rubro-negra é atingir a Champions League em sete
ou oito anos de atividade em Portugal. O estudo da diretoria analisou o
continente como um todo e identificou pontos que podem tornar o investimento
atraente. Mas primeiro foi preciso achar o país ideal.
Por que Portugal?
Portugal é um polo de venda de jogadores, o que pode propiciar retorno em
valores e volume de vendas para um clube com característica formadora, como o
rubro-negro. Segundo o estudo usado pelo Fla, Sporting, Benfica e Porto ocupam
as três primeiras posições em lucro líquido com transferências na última
década — eles são clubes que compram com preço baixo e vendem por valor muito
superior.
A rota Brasil-Portugal, segundo a Fifa, é a mais utilizada no mundo em termos
de transferência de jogadores. O Campeonato Português, inclusive, costuma ser
ponto intermediário de jogadores antes do salto para as cinco principais ligas
do mundo (Inglaterra, Itália, Espanha, Alemanha e França). Ao mesmo tempo,
quando se observa o ranking da Uefa, a liga portuguesa não está tão distante,
aparecendo em sexto no coeficiente. Ou seja, tem seis vagas em competições
organizadas pela Uefa.
O Fla enxerga uma janela de oportunidade para adquirir um clube de meio de
tabela com potencial de disputar uma competição continental. No caso de
Portugal, há quatro clubes que se desgarraram dos demais (Porto, Benfica,
Sporting e Braga). A disputa pelos dois lugares restantes ainda é mais ampla.
Para completar o cenário favorável ao futebol português, entra a forte
presença brasileira no país, tendo a língua como elemento de aproximação
cultural.
Funil dos clubes
Superada a definição do país, o Flamengo inicialmente analisou oito clubes
portugueses. Após uma checagem a respeito da infraestrutura, percebeu que seis
deles eram adequados. Mas a presença na primeira divisão portuguesa foi outra
linha de corte. Restavam dois.
O estádio do Tondela é o João Cardoso, inaugurado em 2008 e que tem capacidade
para 5 mil torcedores. A reforma mais recente, segundo o clube, foi em 2015,
quando o Tondela subiu para a primeira divisão. Na temporada 2019-2020, a
média de público foi 2.403 pessoas. A taxa de ocupação ficou em 48,1%, o
oitavo melhor percentual da liga.
A favor do Tondela pesou a questão geográfica. Há uma concentração muito alta
de clubes no Norte de Portugal, na região do Porto, e nos arredores de Lisboa.
O Tondela está fora desse roteiro por estar situado na região central do país.
Ou seja, há um campo de expansão, apesar de se tratar de uma parte menos
povoada de Portugal.
"Eu moro em Viseu [cidade próxima a Tondela] e lá existe uma comunidade grande
de brasileiros. Inclusive podemos perceber isso até mesmo na culinária, pois
existem muitas opções de pratos brasileiros. Estou muito adaptado ao país e
aos costumes. É um lugar muito bom de morar", disse Daniel dos Anjos, que
passou quatro anos no Benfica B antes de desembarcar no clube atual.
O vice-presidente de finanças do Flamengo, Rodrigo Tostes, aproveitou a escala
na volta dos Jogos Olímpicos de Tóquio para uma estadia temporária em
Portugal. Nela, foi possível visitar in loco o Tondela e outros possíveis
alvos. Ele também conversou com proprietários de algumas SADs do futebol
português.
O que ainda não está fechando é quanto a estrutura empresarial criada pelo
Flamengo, com a verba dos investidores, teria que pagar ao atual proprietário
do Tondela. Mas os dirigentes sentem que há disponibilidade. Quando apresenta
o Tondela a potenciais parceiros no negócio, o Flamengo pontua que o alvo em
solo lusitano tem um "forte potencial para ser um dos melhores clubes de
Portugal".
O clube tem um projeto em andamento para construção da Academia CDT. O espaço
foi concebido do zero e prevê áreas de treinos, jogos e residencial para
desenvolvimento da base. O terreno foi comprado, mas o avanço da obra não tem
sido tão rápido por conta da burocracia.
"Assim que cheguei ouvi comentários que o clube estaria interessado em ampliar
o Centro de Treinamento e formar um grupo sólido para conseguir uma boa
classificação na Liga. O clube tem um bom estádio e oferece todas as condições
necessárias para nós jogadores. O centro de treinamento é composto por um
campo de boa qualidade também. Treinamos no CT e também no estádio, depende
muito da programação e da preparação para a partida seguinte. No CT temos uma
academia bem equipada, espaço de fisioterapia, departamento médico, entre
outros departamentos necessários para dar conforto e qualidade aos atletas",
completou Daniel dos Anjos.
Quem é o dono atual
O Tondela se tornou o alvo principal por contar com uma estrutura societária
relativamente simples, tendo apenas um acionista (dono) que controla o
investimento. Atualmente, 80% do clube pertencem à Tondela Futebol SAD, a
sociedade anônima desportiva que tem como dono o espanhol David Belenguer. Ele
chegou ao clube em novembro de 2018. Os outros 20% são do Tondela Futebol
Clube, presidido por Gilberto Coimbra. A junção das duas partes resulta em uma
Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).
A gestão atual do clube deixa claro que a meta atual é se manter na primeira
divisão. Mas eles querem evoluir o máximo que eles puderem. Não designaram um
objetivo, mas querem crescer e ver onde chega", disse o lateral-esquerdo Neto
Borges, que esteve no Vasco até o primeiro semestre deste ano e está
emprestado ao Tondela.
David Belenguer, dono do Tondela SAD - Reprodução - Reprodução
Zagueiro mediano formado na base do Real Madrid , o catalão David Belenguer
deixou o futebol em 2011, então com 38 anos. O auge da carreira foi defendendo
Betis e Getafe.
Depois que deixou os gramados, Belenguer chegou a ser comentarista de TV, fez
curso para se treinador e MBA em gestão e administração de entidades
esportivas. Ele atuou como assessor de uma empresa de gestão de marcas
esportivas e depois fundou empresa própria para administração de clubes de
futebol. Ele teve atuação mais intensa tentando fazer uma ponte entre Europa e
o mercado chinês, que atualmente vive uma forte desaceleração.
No balanço de 2020-2021, aprovado em julho, o Tondela registrou um superávit
de 43,1 mil euros. Na assembleia, o presidente Gilberto Coimbra contou que
Belenguer ainda não tinha quitado toda a verba referente à compra dos 80% do
clube. O negócio total foi fechado em novembro de 2018 por 6,2 milhões de
euros e faltava transferir cerca de metade do valor.
"Todos têm boa relação com a presidência, com o dono do clube. Eles sabem os
postos a serem ocupados, o que tem que ser feito. É um clube emergente, que
desenvolvendo um crescimento de anos seguidos na primeira divisão. Não vai se
comparar aos principais clubes do país. Mas não nos deixa sentindo falta de
algo", completou Neto Borges.
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Imagem: Divulgação
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