Entre a paixão e o legado, como ficam o presente e o futuro do Flamengo sem Jesus



Na história centenária do Flamengo, a passagem de Jorge Jesus foi um sopro — mas que deixará marcas indeléveis no futebol brasileiro. Sua chegada ao rubro-negro encheu de certezas o torcedor em pouco tempo. Não havia como aquele time vistoso com fome de vitória não levantar taças tão sonhadas há anos. Agora, os troféus — cinco em um ano e um mês— estão na galeria do clube, marcadas pelas mãos e ideias do português.


— Ele já está entre os quatro grandes técnicos da história do clube com Fleitas Solich (paraguaio que comandou o time no tri estadual dos anos 1950), Carpegiani (campeão mundial em 1981) e Carlinhos (campeão nacional em 1987 e 1992) — afirma o escritor e jornalista rubro-negro, Ruy Castro.

A permanência de Jesus, no entanto, sempre pairou sob dúvidas. Antes mesmo da conquista do Brasil e da América, a euforia sempre dividia espaço com as interrogações. Cobiçado por times medianos, mas desejoso por equipes do primeiro escalão mundial, o português nunca fez juras de amor eterno ao Flamengo. Ainda que tenha sido instantânea a paixão entre técnico, jogadores e torcida.


— Acompanho futebol há 47 anos, e o Flamengo é essa alegria, essa intensidade. O time encontrou o técnico ideal que conseguiu aplicar o discurso teórico na prática — diz o ex-técnico Carlos Alberto Parreira — Ele uniu a filosofia de jogo atualizada com gestão de jogadores, disciplina, cobrança e interação com o público, que criou uma confiança muito grande.

Parreira relembra uma confidência de Zico. O maior ídolo do clube lhe contou certa vez o conselho dado a Petkovic, outro estrangeiro vencedor e de grande identificação com o clube:

— Ele disse ao Pet: "Teve dia que eu estava jogando uma merda. Aí, começava a dividir bola, a ir em toda jogada, a brigar pela bola. No dia seguinte, era considerado melhor em campo”. Flamengo é essa vibração. Isso retrata o Flamengo, e o Jesus entendeu muito bem o que é o clube.


E o legado?

Jesus encantou a torcida rubro-negra desde o início. De quebra, trouxe um frescor ao futebol brasileiro, como afirma o tetracampeão Parreira, com um modelo de jogar próximo ao dos times europeus de ponta.

Agora, com os torcedores mal acostumados após um 2019 beirando à perfeição, os próximos passos do clube serão capazes de dizer se o português deixa um legado:

— O legado histórico ele já deixou. São os títulos que recolocaram o clube no topo da América. O tamanho do legado pode ser ampliado se a filosofia imposta por ele se tornar a maneira de jogar do time, que isso esteja catalogado em todos os níveis de trabalho do clube desde a base. Se (o Flamengo) conseguir estender isso, ele pode ter um papel histórico ainda maior. Se não, serão só estatísticas — diz o colunista do GLOBO Carlos Eduardo Mansur.


Os últimos atos de Jesus à beira do gramado refletem o que significou sua passagem de um ano pelo clube: com o título carioca garantido após a vitória sobre o Fluminense, o treinador puxou Everton Ribeiro, um dos seus três capitães, para o lado. Não era uma comemoração especial, mas uma conversa sobre posicionamento.

— Os jogadores gostaram de trabalhar nesse outro nível que ele trouxe. Se os jogadores e dirigentes se comprometerem a continuar com o trabalho do Jorge Jesus, o Flamengo pode ter um legado. Ou corre o risco de virar um time rico brasileiro com muito jogador bom, mas sem uma ideia nova — afirma o apresentador da Sportv e colunista do GLOBO, Marcelo Barreto.

Aos 65 anos, Jesus não parece se abalar com as suas decisões. Desde que cruzou o Atlântico vindo de Portugal para o Brasil, o português nunca se fechou a outras possibilidades — os contratos curtos sempre foram indicativos disso. No entanto, a mudança de curso após renovar até junho de 2021, há pouco mais de um mês, abalou o fim da relação.


— É natural que a saída logo depois de ter renovado o contrato deixe sua imagem arranhada com parte da torcida. Mas isso se apaga com o tempo. As conquistas não — afirma o colunista do GLOBO Martín Fernandez.

Saída traz foco para problemas do país

Jesus se manteve quieto e guardou para si as motivações, até tomar a decisão, que se tornou pública na manhã de sexta-feira. Ele acertou com o Benfica por três anos e, nas redes sociais, declarou carinho à torcida rubro-negra, afirmando que foi “um rompimento que não deixará cicatrizes, somente lembranças de vitórias e títulos.”

Para Mansur, não dá para colocar só na conta de Jesus a condução do desfecho de sua passagem pelo Fla:


— É natural que um profissional da Europa sempre deixe uma fresta de retorno. Aqui há problemas de calendário, entre outras questões de estrutura. Não dá para estabelecer um julgamento do Jesus ou da condução do Flamengo.

Ruy Castro credita até ao momento político do país a decisão de sair do país. A saudade dos parentes e a pandemia foram motivos que o técnico alegou a interlocutores.

— O Flamengo em si não é o problema. Mas ele tem a família toda em Portugal, como trazer todo mundo para o Brasil neste momento...

Resta saber se a torcida perdoará a escolha de Jesus por Portugal e pelo Benfica. Os títulos, no entanto, não podem ser riscados da história rubro-negra.


Fonte: https://oglobo.globo.com/esportes/entre-paixao-o-legado-como-ficam-presente-o-futuro-do-flamengo-sem-jesus-24540145

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