Por Cahê Mota, Ivan Raupp e Raphael de Angeli | GE: O sorriso sempre esteve ali. A alegria não. O talento sempre esteve ali. O
desempenho não. O fantástico mundo do futebol sempre esteve ali. O equilíbrio
na vida real não.
Os gols e dribles desconcertantes garantiram a Michael o posto de xodó da
torcida do Flamengo, mas o atacante irreverente que vive a expectativa da
final da Libertadores tem muito mais a comemorar no próximo sábado em
Montevidéu. O Palmeiras é somente um rival a mais para quem carrega em gestos
e palavras a vitória sobre a depressão.
Uma das armas de Renato Gaúcho na busca pelo tricampeonato da América, Michael
é daqueles que trocam clichês por respostas surpreendentes em uma entrevista.
Tanto que, em bate-papo com o ge , deixou claro: não se vê como titular se
Arrascaeta, Everton Ribeiro, Bruno Henrique e Gabriel estiverem à disposição.
Postura de quem enxerga um jogo de futebol como apenas mais uma oportunidade
de se divertir, seja por um ou 90 minutos.
O jeito "maluco", como ele mesmo se define, não esconde a personalidade forte
de quem encara os problemas da vida com mais consciência do que encara os
zagueiros:
"Do nada, faço um trem que nem eu sei e acontece. Quando o cara está
confiante, faz coisas que nem ele sabe. Se eu nem sei para onde vou cortar,
como o marcador vai saber?"
Quando fala de desafios da vida real, Michael aprendeu o que fazer
conscientemente. Depois de superar seus próprios fantasmas, como revelou no
podcast "Barbacast" , usa a representatividade para ligar o alerta para quem
sofre com transtornos como depressão e ansiedade:
"Venci, graças a Deus! Tomei remédio? Tomei. Mas venci. Hoje, sou um cara
um pouco diferente, mas com o mesmo carisma e amizade que eu sempre tive. Às
vezes, quem mais sorri é quem mais sofre, mas sofre calado"
- Sou grato a Deus, ao clube, aos meus médicos, minha mulher... Estava naquela
época do "fique em casa" e eu trancado. Eu sou hiperativo, estava ficando
doido. E Deus me ajudou. Depois de tudo isso, viver esse momento é
maravilhoso.
Em 20 minutos de conversa divertida, mas não menos séria, Michael falou sobre
a boa fase, a origem do bordão "quando está feio, esquece", a recuperação do
equilíbrio entre corpo e mente e das expectativas para a final da
Libertadores. Flamengo e Palmeiras disputam o título mais importante das
Américas no sábado, às 17h (de Brasília), no estádio Centenário, em
Montevidéu.
Confira a íntegra da entrevista:
Ansiedade para decisão
- Sempre sonhei em disputar a Libertadores e estou feliz pela primeira
oportunidade de disputar a final. Claro que fico apreensivo querendo que
chegue o dia, mas não podemos esquecer o Brasileiro. Foco em cada partida,
porque o amanhã pode não existir. Tenho que aproveitar o hoje para chegar ao
dia 27 inteiro e bem.
Tem chances de ser titular?
- Ainda sou (reserva). Não (tenho esperanças de ser titular). Primeiro, por
ser um cara que respeita muito os companheiros. Respeito a história e o
futebol que cada um tem. Estou aqui para agregar, para acrescentar. Vou dar o
meu melhor, seja um minuto, 10, 45, 90... Nunca quis menosprezar e ser melhor
que os outros. Quero contribuir. Claro que sei da importância que tenho para o
grupo hoje, mas sei também dos meus companheiros e mantenho meu pensamento.
"Hoje, eu sou reserva dos quatro melhores atacantes do Brasil. Ah, mas tem
melhor? A minha opinião é que eles são os quatro melhores. Eu trabalho para um
dia ser como eles ou até melhor, mas sabendo respeitar e trabalhar"
Causas do bom momento
- Fé! Se não fosse a fé em Deus, acho que não teria conseguido. O Flamengo
como um todo, comissão, jogadores, torcida... Sempre recebi críticas, ficava
chateado com algumas, outras não. Sempre discernia a boa e a ruim, a
construtiva e a destrutiva. E nunca abaixei a cabeça. O carinho que esse clube
aqui depositou em mim, junto com minha fé e dedicação, me permitiu entregar o
melhor. Não sou um cara que pensa individual, penso coletivo. Quero ganhar par
ou ímpar ou Libertadores, mas respeitando a todos e os momentos ruins. Nunca
vou errar querendo errar, eu quero acertar. De tanto querer acertar, às vezes
vou errar. Pode ter certeza que vou tentar do minuto 1 ao 90. Esse é meu
diferencial. Não coloco a dúvida na cabeça. Se eu errar, ligo o f... e vou
embora.
Importância de Renato Gaúcho
- O ponto de vista tático é o mais simples. Ele diz o que eu tenho que fazer,
pede para eu ficar aberto, movimentar, não ficar impedido, se posicionar
melhor, finalizar melhor... Isso é o simples. Mas eu sempre tive isso e em
toda minha carreira tentei fazer o que faço hoje. Precisamos de confiança, de
incentivo. Por isso, sempre falei do Filipe, dos Diegos, do Gerson, que me
mostravam o que fazer, incentivavam... Tudo o que precisamos é de confiança.
Às vezes, dou dribles que nem sei o que fiz. Me perguntaram do gol contra a
Chape. Eu nem vi o gol, gente. Do nada, faço um trem que nem eu sei e
acontece. Quando o cara está confiante, faz coisas que nem ele sabe. Se eu nem
sei para onde vou cortar, como o marcador vai saber?
Quando está feio...
- O Gabi já tinha o dele "quando estou loiro, esquece". E, no campo, o pessoal
fala: "Quando estou de chuteira tal, esquece!", "Quando estou de cabelo
cortado, esquece!". Todo mundo falando qualidades. Eu olhei para mim e pensei:
"Cara, não sou bonito, não tenho jeito de jogador, minha cara está mais para
malandro do que atleta. Vou falar o quê?". Aí, começaram a me chamar de
feioso, e eu falei: "Quando estou feio, esquece!".
Depressão
- Depressão no meio do esporte é a coisa mais natural, mas muita gente não tem
coragem de falar. Eu sou meio maluco mesmo, falo as coisas e não estou nem aí.
Já passei por muitas coisas na vida, só que tem pessoas que querem se
vitimizar, outras não. Pessoas que querem ser espelho, outras não. Tem quem
quer falar e quem quer guardar, não se expor. Eu quis falar, não para ser
coitadinho, mas para verem que até quem joga no maior clube do Brasil pode
sofrer com isso, para que tenham coragem de falar. Às vezes, não falam e isso
causa o suicídio, quer ser forte e guardar, e tira a própria vida. O que eu
fiz foi contar para todo mundo, explicar para psiquiatra, psicólogo, clube, e
todos me acolheram, me abraçaram e fizeram ver muitas coisas diferentes.
Carinho dos companheiros
- Sempre fui amado, mas muitas vezes não entendemos e passamos por
dificuldades emocionais que precisamos expor. Não é só isso aqui, é o todo, é
um montão de coisas que vão juntando e geram isso. Aprendi a me amar, me
respeitar, me valorizar. Eu amava e fazia mais para os outros do que
propriamente para mim. Isso me ajudou muito.
Sonho da vida do Micha?
- Pretendo parar de jogar bola com 33, 34 anos, e depois disso fazer missões.
Ajudar crianças, casas de recuperação, orfanatos... São coisas que eu já faço.
Criamos uma marca chamada Exu Adonai, que é voltada para casas de recuperação.
Todo dinheiro é revertido para esse objetivo. E meu maior sonho é esse: quando
parar de jogar bola, ajudar essas pessoas.
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Imagem: Reprodução
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