Por Rodrigo Capelo e Vicente Seda | GE: Quando Messi assinou contrato com o Paris Saint-Germain , a ocasião foi usada
para a propaganda de um acordo que o clube francês acabara de assinar. O PSG
disse à imprensa que o jogador receberia certa quantidade de "fan tokens" como
parte do pacote de boas-vindas.
Àquela altura, meados de agosto, o valor de mercado desses tokens triplicou.
Ao sugerir que o criptoativo compunha a remuneração do atacante, o clube deu
notoriedade e credibilidade para o produto.
Dias depois, a Juventus entrou em campo para enfrentar a Atalanta num amistoso
de pré-temporada. Nas mangas de seu uniforme, havia a publicidade de seu
próprio token. O $JUV foi lançado em parceria com o Socios.com, a mesma
empresa que acompanhava o PSG.
Eles não são os únicos. Atualmente, o Socios.com tem 70 entidades esportivas
sob contrato, incluindo gigantes do futebol europeu e também do brasileiro. O
Atlético-MG foi o primeiro brasileiro a entrar no projeto. Corinthians ,
Flamengo e São Paulo vieram na sequência.
Histórias como a das "luvas" de Messi no formato de tokens, bem como
publicidades nas camisas dos clubes, se tornarão cada vez mais frequentes,
pois o sucesso do projeto depende de engajamento.
O ge preparou um guia para entender o fan token. Além de coletar informações
com dirigentes de clubes, a reportagem ouviu Alexandre Dreyfus, CEO do
Socios.com. Ouça o conteúdo também em podcast .
O que é?
O fan token é um criptoativo que dá direito a participar em votações, como,
por exemplo, na enquete para escolher a música que tocará no estádio. Esse é
um exemplo recorrente. De acordo com a quantidade de tokens que tiver, o
torcedor terá maior ou menor influência na decisão.
As votações serão realizadas dentro da plataforma do Socios.com. Elas serão
elaboradas em conjunto por clube e parceira. Departamentos de marketing e
inovação hoje trabalham em novas ideias.
A diferença para uma votação qualquer entre sócios é que o token pode ser
comprado e vendido num mercado digital. Ele tem autenticidade garantida por
sistema de blockchain, e ele tem valor de mercado que flutua conforme oferta e
demanda, ditada pelos usuários.
Em outras palavras, o torcedor pode comprar fan tokens de um clube, qualquer
um, e revendê-los em sites como o Mercado Bitcoin . Se houver muita gente
comprando, o valor sobe. E vice-versa.
Para adquirir os itens, o consumidor precisará gastar dinheiro de verdade –
como reais, dólares e euros. Mas a operação não é feita diretamente com essas
moedas. Primeiro, ele precisa comprar criptomoedas aceitas em mercados
digitais. O Socios.com tem uma própria, a Chiliz. Com CHZ na carteira, os
tokens podem ser comprados.
O que não é?
Quando o PSG anunciou que Messi receberia fan tokens como parte das "luvas", a
reação natural do público foi entender a novidade como uma criptomoeda – um
item que, assim como o bitcoin, poderia ser usado para realizar transações,
comprar e vender outras coisas.
No entanto, o fan token não é uma criptomoeda . Não existe nenhuma
possibilidade de comprar produtos ou serviços com esses ativos. A única
finalidade deles é permitir a participação nas votações que serão elaboradas
na plataforma por clubes e parceira.
Os tokens podem ser revendidos, assim como podem ingressos para jogos de
futebol, em mercados secundários. Os tokens também estão listados em mercados
digitais ao lado de criptomoedas. Mas eles se caracterizam como ativos, por
mais genérica que seja a palavra.
Como os clubes faturam?
Uma vez assinado o contrato, a parceira põe tokens à venda. A primeira emissão
é chamada de FTO – "fan token offering" , ou oferta de fan token. O
vocabulário é produzido para lembrar a Bolsa de Valores.
Nessa primeira emissão, as quantidades de criptoativos jogados no mercado
podem variar, mas no Brasil o padrão tem sido de 850 mil tokens por vez. A um
custo de dois dólares cada, em poucas horas, essa venda gerou US$ 1,7 milhão
nas estreias de Atlético-MG e Corinthians.
Tanto nessa emissão inicial, quanto em todas as vezes seguintes em que o
Socios.com colocar tokens novos no mercado, o clube tem direito a 50% do
valor. Na largada, portanto, os brasileiros arrecadaram US$ 850 mil cada,
valor próximo dos R$ 5 milhões no câmbio atual.
Os contratos preveem determinado estoque de tokens. Em entrevista receita ao
podcast Dinheiro em Jogo , Danilo Fratangelo, gerente de inovação do
Corinthians, disse que o acordo previa a emissão de 20 milhões de tokens. No
Atlético-MG, o contrato estipula 10 milhões.
Não adianta prever a arrecadação com base nos valores iniciais, porque, com a
flutuação, o valor do token varia. Agora, o criptoativo do Corinthians,
denominado $SCCP, está avaliado em US$ 1,37 cada . O $GALO, do Atlético-MG,
não está sendo monitorado pelo CoinMarketCap , indicado ao ge por Alex Dreyfus
como fonte confiável.
Clube e parceira, então, vão "jogar" com as circunstâncias. À medida que o
valor do fan token sobe, por qualquer motivo que gere mais demanda, como a
contratação de um jogador ou uma ativação inventiva, eles podem jogar mais
tokens no mercado para faturar novamente.
Adicionalmente, toda vez que usuários fizerem transações de tokens entre eles,
o clube terá direito a 0,25% do valor. Um percentual que só gerará valor
relevante em operações vultosas.
Produto ou investimento?
Da maneira como o negócio foi estruturado, são muitas as semelhanças entre
esses criptoativos e modalidades de investimento tradicionais. Quem acompanha
as variações do valor de mercado dos tokens pode lucrar com a especulação, ou
seja, "comprar na baixa e vender na alta".
O Socios.com se exime dessa finalidade. A empresa trata o fan token como um
produto numa prateleira, bem como um ingresso para uma partida de futebol ou
um tênis. Esses itens podem ser revendidos, se houver demanda, mas o objetivo
primário deles não é a revenda.
– Não é nosso trabalho no Socios.com promover um investimento que vise lucro.
Nós promovemos a utilidade do token. Há pessoas que estão comprando e vendendo
tokens? Sim. Claro. Nós não promovemos, nós não encorajamos, mas há. Há
pessoas comprando e vendendo tênis, mas o propósito de um tênis ainda é andar
com ele. Assim como o fan token. O propósito do fan token é usá-lo, usar os
benefícios dele – diz Alexandre Dreyfus.
O risco para o consumidor
Recapitulando: fan tokens não são criptomoedas e não são recomendados como um
tipo de investimento, pelo menos no discurso formal do Socios.com, apesar de a
empresa faturar com as transações.
Ainda assim, é provável que torcedores se sintam motivados a comprar os
criptoativos de olho em possível valorização e revenda. Caso contrário, eles
não estariam listados em mercados secundários, nem teriam um valor de mercado
estipulado por oferta e demanda.
Nesse caso, é fundamental que o consumidor lembre de uma regra básica: o fan
token só terá alguma utilidade, e portanto algum valor, enquanto as votações
forem organizadas.
Na hipótese de o contrato entre clube e parceira terminar, as enquetes deixam
de acontecer, e os ativos perdem subitamente seu valor. A mesma consequência
ocorre se, mesmo com contrato vigente, dirigentes decidirem não mais fazer
votações por meio da plataforma.
Não existe, pelo menos nos contratos com os clubes brasileiros e na
comunicação da plataforma, nenhuma obrigação de recompra dos tokens em caso de
perda da sua utilidade. O risco é do consumidor.
Alexandre Dreyfus, CEO do Socios.com, diz que pode existir longevidade para os
fan tokens mesmo depois do fim do contrato. Mas os clubes precisarão encontrar
novas parceiras para viabilizar a operação.
– O token ainda existe. A questão é quem vai oferecer o serviço para você, com
dono de um token. Pode ser o Socios.com. Pode ser que o Corinthians, depois de
cinco anos, queira assumir esse serviço no aplicativo deles. Ainda é um
serviço, ainda tem valor. Eu e você podemos prever o que vai acontecer no
mercado em cinco anos. Existe um risco? Claro. Mas acho que a questão
principal pra nós é: o que faremos para ter certeza de que proveremos
utilidade, serviços e melhorias aos fãs e aos clubes, para que isso nunca
aconteça? – afirma Dreyfus.
O modelo de negócios
O Socios.com pertence a uma empresa com sede em Malta, um paraíso fiscal, e
escritórios estabelecidos em alguns lugares estratégicos para o negócios:
Madrid (Espanha) e Istanbul (Turquia).
A companhia inaugurará um escritório em São Paulo, de onde administrará a
relação com os brasileiros. De acordo com Dreyfus, devem ser contratadas entre
20 e 30 pessoas para trabalhar no local.
O CEO da empresa afirma que o negócio está sendo montado de olho numa operação
de longo prazo. Apesar de o Socios.com não revelar prazos para seus contratos,
o ge apurou que, no Brasil, as parcerias estão sendo estabelecidas com as
seguintes durações:
- Atlético-MG: até fim de 2023
- Corinthians: até fim de 2025
- Flamengo: até fim de 2025
- São Paulo: até fim de 2025
O modelo de negócios do Socios.com foi concebido para que a empresa fature em
várias pontas. Ela é dona do Chiliz, a criptomoeda que serve de "ponte" para a
aquisição dos fan tokens. Ela também é proprietária dos fan tokens. Em ambos
os casos, o estoque é dela.
Nesse sentido, o futebol se apresentou como um meio para tornar o criptoativo
popular. A partir do momento em que o PSG entrega esses itens para Messi, que
a Juventus coloca a parceria na manga da camisa e que clubes brasileiros se
engajam no lançamento de seus tokens, a companhia gera demanda para dois
produtos: os tokens e o Chiliz.
Além disso, pela natureza digital e descentralizada, não existe regulação
desse mercado. Ou seja, não há nenhum governo que dite regras de
funcionamento, nem mecanismos de proteção ao consumidor em caso de falência da
empresa, ou perda súbita de valor do ativo.
A falta de regulação é assunto recorrente em reportagens estrangeiras, pois é
uma característica global. Perguntado pela reportagem sobre o que pensa a
respeito, Dreyfus respondeu que é a favor da regulação, mas traçou um paralelo
com outros produtos para refutar a questão.
– É muito curioso, porque essas são as perguntas erradas. Quando você compra
um tíquete, qual é a proteção? Qual é a proteção contra o clube ir à falência
e o tíquete não voltar? Zero. Mas não estamos perguntando ao clube por que ele
não é regulado – responde Alexandre Dreyfus ao ge.
@rodrigocapelo e @vicenteseda
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Imagem: Divulgação
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