Por Cahê Mota | GE:
Os números impressionam, sejam os que fazem parte das estatísticas ou os de
jogadores que melhoraram o rendimento. O ambiente leve nem de longe lembra
cotidiano quase que silencioso dos tempos de Rogério Ceni. E o Flamengo chega
a setembro dependendo apenas de si para ser campeão da Libertadores, do
Brasileirão e da Copa do Brasil. Mas como Renato Gaúcho promoveu esta
revolução no Ninho do Urubu?
O ge foi atrás dos bastidores dos primeiros 50 dias de trabalho do treinador
no Flamengo e, principalmente, em busca de uma resposta: o que tem além do
Renato boa-praça que o torcedor brasileiro se acostumou a ver e até rotular?
Relatos indicam orientações ao pé de ouvido, reuniões e mais reuniões na sala
de vídeos e até mesmo um disciplinador.
Das lendas que cercam os trabalhos de Renato, a que mais circula no mundo da
bola é de que o auxiliar Alexandre Mendes é seu grande guru tático.
Profissionais do dia a dia do Ninho definem a parceria como uma "sintonia
incomum", com muitos debates, mas com a palavra final sempre do treinador. Um
episódio que chamou a atenção foi a escolha pela saída de Arrascaeta no
intervalo da goleada por 4 a 0 sobre o Grêmio, em Porto Alegre.
Enquanto os jogadores tentavam se recompor da atuação ruim no primeiro tempo
com direito a expulsão de Isla, Renato se isolou no vestiário. Alexandre
Mendes e Marcelo Salles avaliavam opções, a saída de Michael, que tinha
entrado na vaga do lesionado Bruno Henrique, chegou a ser cogitada, até que o
treinador deu a ordem: saem Diego e Arrascaeta para as entradas de Matheuzinho
e Thiago Maia.
O silêncio de espanto foi interrompido pela explicação da postura que o Grêmio
apresentaria com um a mais justificando que Michael e Everton Ribeiro seriam
capazes de dar opções de contra-ataque sem fragilizar a marcação pelos lados
do campo. Renato explicou ainda que com as características de Arrascaeta
outros jogadores ficariam sobrecarregados na marcação. Após a goleada, elogios
tomaram conta do vestiário.
Os vídeos, por sua vez, têm papel fundamental no que Renato deseja passar ao
time taticamente. E foi este o artifício utilizado logo na primeira semana
para tentar resolver um dos principais problemas da equipe: a defesa. O
treinador se reuniu com todos os zagueiros e exibiu imagens do que considerava
errado fosse no posicionamento, fosse nas tomadas de decisão.
Dias depois, no vestiário de Pituaçu, viu um burburinho com elogios ao
desempenho de Gustavo Henrique e Léo Pereira na goleada por 5 a 0 sobre o
Bahia. Ao deixar o local a caminho da sala de entrevistas coletivas, passou
por Marcos Braz e Bruno Spindel e disse com um sorriso de canto de boca: "De
nada".
O recurso dos vídeos também é utilizado à exaustão no preparo para os jogos.
Só que ao contrário do que acontecia com Rogério Ceni, o material exibido não
tem base nas atuações do próximo adversário. Renato se atém às correções e
orientações do que deseja do próprio Flamengo e deixa para falar do rival
somente nas preleções, após reunião com seus auxiliares.
O ritual é padrão, seja no Ninho ou em jogos fora de casa: pela manhã, o
treinador se junta com os auxiliares, com a equipe de análise de desempenho,
departamento médico, com Juan (gerente técnico), Fabinho (gerente de futebol)
e Gabriel Skinner (supervisor) para passar a limpo logística, programação e
detalhamento sobre o adversário. O tema só entra em pauta com os jogadores na
preleção e em ajustes finais após a receber a escalação.
Nos primeiros dias de Flamengo, dois jogadores receberam atenção especial do
novo comandante: Willian Arão e Everton Ribeiro. O primeiro para um papo bem
objetivo: voltaria a ser volante, os tempos de zagueiro tinham chegado ao fim.
Já com Ribeiro o debate foi sobre o que fazer para melhorar o rendimento que
tinha caído com as obrigações defensivas impostas por Rogério.
Quem não precisou nem de reunião para se alinhar com Renato foi Gabigol. A
sintonia foi imediata e o treinador logo contornou qualquer clima de tensão
por conta da punição imposta pela diretoria na volta da Copa América.
O ponto de destaque aconteceu no vestiário da Arena Corinthians, no intervalo
da vitória por 3 a 1 pelo Brasileirão. Mesmo com 3 a 0 no placar, Renato pediu
que o time não diminuísse o apetite ofensivo e cobrou mais gols. De imediato,
Gabriel se levantou e foi apertar a mão do treinador na frente dos
companheiros dizendo:
- Finalmente. Era o que precisávamos escutar de um treinador!
O Renato bom de onda se transforma em disciplinador quando o assunto é
horário. A orientação é para que toda comissão técnica marque em cima os
jogadores no cumprimento da programação divulgada internamente: treinos,
vídeos, saída do ônibus, etc... Em jogos no Rio, ele opta por dormir no CT,
mesmo que os jogadores só se apresentem pela manhã seguinte.
Por fim, a rotatividade do time tão comum nos tempos de Grêmio deu lugar a uma
diminuição na carga de treinamentos para evitar desfalques. A ordem é que quem
não se sentir 100% descanse e priorize a recuperação para os jogos.
Nas vésperas das partidas, as atividades com bola nunca passam de uma hora (em
contraste com as quase duas horas da época de Ceni). Renato, que praticamente
aboliu o famoso rachão de sua rotina, tira a atividade final para ajustes
táticos pontuais.
Todo este processo conta muito com a participação dos jogadores,
principalmente os mais experientes. Se quando estava distante Renato
acostumou-se a falar que "era fácil" trabalhar com este elenco milionário,
agora de perto ele faz questão de dar liberdade para que o entrosamento
natural de quem está há quase três anos junto seja potencializado.
Com 12 vitórias, um empate, uma derrota, 45 gols marcados e dez sofridos em 14
jogos, Renato se reapresenta com o elenco nesta quarta-feira para seu 53º dia
como treinador do Flamengo. Faltando pouco mais de três meses para terminar a
temporada, o treinador busca de títulos para ir além da motivação, dos vídeos,
das orientações e outras coisas mais.
VEJA AS ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Imagem: Alexandre Vidal
Tags
Renato Gaúcho